coser

esse pequeno gesto – generosíssimo gesto – de se deslocar das próprias crenças e se colocar, nem que seja por um minuto, na outra pele, é a única coisa que faz diferença. que faz a mudança.

(ainda que não concordemos de imediato.)

sair de si, ver, aceitar,

conciliar

acolher, remexer;

até perceber que isso não é APENAS ver e receber o outro

é costurar os tantos em si.

a grande batalha

A partir de hoje,

no parir de hoje,

limpo minha casa, meus pés, minhas mãos,

minha alma, meu espírito, minha história,

da sua presença.

da sua influência.

da sua EXISTÊNCIA.

 

Não mais te comporto em meu corpo,

não mais te suporto em minhas costas,

nas minhas raízes,

não mais te carrego em minhas dores,

coceiras, ardores.

 

Você, que assombrava minha história há tempos. que habitava em meus pesadelos. que aterrorizava meus caminhos.

 

Hoje te vi, e também te persegui.

te peguei.

te flagrei na sua fragilidade. vi seu verdadeiro tamanho. vi o peso da tua capa, o porquê da tua covardia. vi seu desespero para o qual a resposta é única: a violência.

vi, percebi, quase caí. Mas não me submeti.

dei voz à dignidade que me habita. dei voz à nova forma que em mim fala. dei voz, entre tosses e espasmos, entre um coração doendo, abri caminho entre os espinhos da tendência a ficar ali, sofrendo.

não.

a vida que em mim nasce e renasce teve mais valor. a primavera que perfuma o ar trouxe coragem.

sua covardia não chamou minha submissão, meu desespero;

ao contrário, acordou-me desse lugar. então percebi o poder de escolher outro caminho.

 

Empoderei-me dessa liberdade, indiferente e imune ao seu ódio.

E mudei meu curso.

 

Figura, não sei teu nome. só sei que vagas pela minha vida há tempos, tomando o corpo de seres amados. homens amados.

Conhece,  a partir de agora, teu lugar: nunca mais acima de mim. nunca mais no terror.

 

nunca mais.

 

Cura-te da raiva, do desespero, da covardia. cura-te da compulsão de ferir, como estou me curando do medo de ser transpassada.

Hoje minha voz se fez forte, escudo pra tua lança. não tenho mais ações para você, a não ser deixar esse palco, esvaziar-me desse papel, deixar-te sem réplica.

Mas não faço isso por você. faço pelo novo em mim que vem com os novos ares de final de inverno.

(final do inferno.)

Se quiser, aproveite o vazio de minha nova inexistência na sua vida, pra deixar de ser destruição.

 

Mas do seu caminho, só você sabe, e é problema seu.

assim como do meu, eu sei: eu optei pelo amor.

delírios da espera II

o mais louco desse tempo de espera é ficar tanto tempo sozinha.
Ou comigo mesma – dá na mesma.
E quanto mais comigo estou, menos sei que pessoa (é? sou?)

essa.
esperar é um derretimento.
esperar é escoar.

delírios da espera

são tantos e tantos os sentimentos que antecedem o nascer…quase um desfile de alegorias.
(ou aventura)
observo, vivo, dou passagem;

enquanto isso, Francisco silencia.
e nos preparamos para a grande travessia
(ou travessura?)

tempo de espera

enquanto Vênus beija a Lua,
barca feliz com estrela-guia,
observo as marés que dançam.
espero,
aguardo,
anseio,
sonho,
devaneio:
Em qual onda você embarcará, meu filho?

 

lua e vênus