na gira reta do delírio

NA GIRA RETA DO DELÍRIO narra a história de uma escola de samba recortada em dois momentos: O primeiro, na madrugada anterior ao desfile de carnaval; o segundo, durante o delírio do próprio desfile, que mistura passado, presente e futuro de seus componentes. Entre os seus integrantes, os personagens que se destacam são: Linda, primeira porta-bandeira; Jane, a carnavalesca da escola; Zita, coordenadora de ala; Poeira, compositor e intérprete; Marujo, diretor da harmonia; e Carlão, presidente da Escola. Os dramas que ocorrem antes, durante e depois do desfile são decorrência das escolhas que cada um deles toma a partir desse novo e delicado momento, em que se colocam em cheque crenças, visões de mundo e possíveis novos caminhos.

 Leitura Dramática no N.Ex.T Teatro, em junho de 2006

Direção: Heron Coelho

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NA GIRA RETA DO DELÍRIO

Personagens

Linda, Porta-bandeira

Jane, Carnavalesca

Zita, Madrinha da bateria

Poeira, Compositor e intérprete

Marujo, Diretor da harmonia

Carlão, Presidente da Escola

 

Vozes da Escola /Apuração

Francesa

Documentarista

 

Ato I

 

Obsceno

Cena 1

Primeiros passos

Linda, de pé, com uma vassoura na mão

LINDA

Reto.

Pausa

Vai andando em linha reta. De repente, vira-se para o outro lado.

LINDA

Porra! (põe a mão na boca, abafando o palavrão) Eu tenho que andar reto! Cadê minha cabeça?

Reto é reto, curva é curva.

Reto é liso.

Curva faz ruga.

Então vamos reto!

Ajeita-se. Busca uma arquitetura impossível no movimento. Dá alguns passos, pára.

Vassoura, na mão, vai subindo pra cima, encaixa no corpo, como uma bandeira. Pés parados, retos.

Começa a torcer só o corpo, numa espécie de giro em espiral

LINDA

As horas são outras no meu tempo…Não se conta em pedaços, é no giro da mão e da sola do pé…

Pára. Desentorta a espiral, colocando-se numa posição quase militar.

LINDA

Altivez!

Som de cuíca

LINDA

Isso não é brincadeira, menina! Altivez. AL-TI-VEZ! Você tem rosto bonito, vai ter que dar certo, quem sabe até dá?

(para a cuíca) Pára!

O som não pára

LINDA

(tampando os ouvidos)

Aaaaaaaahhhhhhhhhh!

Reto! Um pé na frente do outro, que nem modelo! Peito pra cima, bunda pra baixo, senão é vulgar. Isso…Taí. Eu não sou de dar palpite, mas quando dou…acontece: Você no futuro vai ser gente grande.

Linda destampa os ouvidos. Som da cuíca sobe

Ela cruza as pernas num giro.

LINDA

Quando a gente tem que andar reto e faz curva, faz curva porque desvia ou o corpo da gente quer mostrar o que o reto ainda não viu?

Encaixa a cabeça no corpo e vai trabalhar, menina!

Pára a cuíca

Linda sai

Cena 2

Turbilhão

Zita está se maquiando.

Cantarola Turbillion de la Vie (Jeanne Moureau)

ZITA

Elle avait des bagues à chaque doigt,
Des tas de bracelets autour des poignets,
Et puis elle chantait avec une voix
Qui, sitôt, m’enjôla.

Elle avait des yeux, des yeux d’opale,
Qui me fascinaient, qui me fascinaient.
Y avait l’ovale de son visage pâle
De femme fatale qui m’fut fatale …

Poeira entra correndo

POEIRA

A corda!

ZITA

E por um acaso eu tô dormindo, traste?

POEIRA

A corda, CORDA! Qualquer uma, até de enfeite, que agüente o tranco pra puxar o navio!

ZITA

Navio?

POEIRA

O carro! Não sai do lugar!

ZITA

E o motor?

POEIRA

Não pega.

ZITA

Vai no braço?

POEIRA

Zita, não enrola! Cadê a corda?

ZITA

Atrás da cabeça de peixe… Essa não, ceguinho, a outra, aquela azul. A coisa deve estar grave, se até você tá se metendo!

POEIRA

Tá todo mundo ocupado!

É muito injusto. MUITO! Um ano prum carro ficar pronto, não pode dar problema de última hora! Não pode!

Poeira encontra a corda

ZITA

Eu vou lá ajudar também!

POEIRA

Você?

ZITA

Apoio moral, ué! Avisa lá que daqui a pouco eu chego!

POEIRA

(irônico)

Depois do desfile? (vê que a corda é curta) Essa não dá!

ZITA

Cuidado! Vai ficar sem voz assim!

Poeira começa a procurar outra corda

ZITA

Me fala uma coisa, coração, que cor os meus olhos têm hoje?

Poeira finge ignorar Zita. Acha algo que serve e vai saindo

ZITA

Ei! Não vai dar beijo?

POEIRA

Não vai dar tempo!

ZITA

Depois não reclama…

Ela olha fazendo charme. Ele lhe dá um beijo rápido e sai correndo.

VOZ 

Poeira, cadê essa corda?

Zita, em outro ritmo, continua se maquiando. Canta “Joana Francesa”, de Chico Buarque, misturando alguns delírios em francês

 

ZITA

D’accord, d’accord, d’accord…

Acorda, acorda, acorda, acorda,

acorda, acorda…..

Entra Jane, com uma roupa na mão. Zita continua a maquiagem
 

 

JANE

Pára de cantar nessa língua!

ZITA

A do amor?

JANE

Você entendeu, princesa. A do biquinho.

ZITA

Ah, mas é tão chique!

JANE

Deixa de ser paga-pau pra gringo!

ZITA

Esse mau humor todo é por causa da (fala com sotaque) tournée ali na quadra, é?

JANE

Cê tá falando do que?

ZITA

Dos franceses, ué. Os do livro. Você não tirou foto?

JANE

Eu não!

ZITA

Justo a primeira dama? O Carlão sabe disso?

JANE

E isso aí vai dar em alguma coisa, Zita? Esse povo chega do nada, toma o tempo da gente, faz foto, pesquisa, livro e depois some. Quero ver se vão mandar alguma coisa de volta!

ZITA

Ô Jane, minha flor, abre a cabecinha… Xenofobia é medo de crescer, sabia? (pausa) O mundo tá, ó, evoluindo…Tão caindo os muros, as linhas, as barreiras…Aí, tá até no seu enredo, “A Nova Civilização!” Você conta a história e não acredita, como é isso?

JANE

Nem vem com essa de futuro porque você tá mais pra saudosista do Quitandinha. Parece os papos lá da Didica, da “época de ouro”… Já acabou o tempo da inocência, bem. Não se dê ao respeito pra ver, vai virar vinheta cafona, sambando pelada, de nêga maluca.

ZITA

Dá pra ver meu olho azul com essa sombra?

JANE

Samba com ele arregalado

ZITA

Nem precisa, ele brilha até fechado.

JANE

Você viu a Linda por aí?

ZITA

Você já procurou no bar ali na frente?

JANE

Não fala isso nem de brincadeira!

ZITA

Credo, que preconceito!

JANE

Isso é sério, você sabe!

ZITA

Ué, o pior já não aconteceu? Agora não adianta ficar remoendo. Hoje a gente tem é que ajudar, né?

JANE

Ajudar é manter essa menina longe de perigo, e você puder colaborar eu agradeço!

ZITA

Eu acho é que você tá muito implicante, tá faltando amor… é melhor o Carlão comparecer…

Jane fecha a cara.

Zita, provocativa, começa cantarolar Taí.

ZITA

(cantando para Jane, depois para a platéia, como num número)

Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim
Ai meu bem não faz assim comigo não
Você tem, você tem que me dar seu coração…

JANE

Chega, Zita. Já deu!

ZITA

(fala)

Meu amor não posso esquecer
Se dá alegria faz também sofrer…

JANE

Já que você tá com tempo, vai atrás da Linda que eu tenho mais do que me ocupar.

ZITA

(fala)

 A minha vida foi sempre assim
Só chorando as mágoas que não têm fim…

(pausa)

 Relaxa e fica linda!

Zita sai cantarolando.

JANE

Relaxa e fica linda…É…

Jane começa a arrumar alguns enfeites de uma fantasia

Entra Marujo, correndo.

MARUJO

Ainda tá aí?

JANE

Não sei…Tô?

MARUJO

Gracinha… Cadê a Lindalva?

JANE

Tô me perguntando a mesma coisa.

MARUJO

Eu sabia! Por mim, já teria substituído, ela não tem condição de desfilar!

JANE

É claro que tem!

MARUJO

Vocês são duas loucas de pensar isso. E se até agora não chegou, sabe-se lá o que pode ter passado com aquela perna! Ou coisa pior!

JANE

Liga pra ela, então.

MARUJO

Já liguei mil vezes, mas ela não atende! E ó, tá cheio de mulher histérica te esperando lá fora pra aprovar a fantasia e fazer ensaio geral. Ensaio geral era domingo passado!  Cadê o resto de cordas?

JANE

Neném, nossa escola é a última, lembra? Já tá tudo mais que ensaiado, esse povo de balé encana demais! (vê que ele procura algo) A corda tá lá atrás.

MARUJO

Essa coisa de perna de pau dá medo. E você ainda me inventa um bando de sereias andando de patins, carro alegórico com fogo chinês e comissão de frente fazendo acrobacia. É carnaval, porra, não é circo! Ninguém facilita a vida!

JANE

Ô menino, mais respeito, viu? Você entende de carnaval há quanto tempo pra ficar aí dando pitaco? Nem sambar direito tu sabe e fica aí falando o quê?

Silêncio.

MARUJO

Tá certo. Cê tá certa, tô me metendo por que? Cada um com seus problemas, não é? Os que criam e os que resolvem…

JANE

Se a idéia saísse do Carlão, você ia fechar o bico!

MARUJO

Não leva pro lado pessoal. Se tivesse ficado pronto um mês antes, tudo bem, mas você fica inventando alegoria de última hora!

JANE

Ultima hora não, já tava tudo pronto! Mas todo dia vem idéia na cabeça, eu tenho culpa de ser criativa? Tão pagando caro por isso, não dá pra ter miséria.

MARUJO

Quanto mais caro mais problema dá.

JANE

Isso também é preconceito, mania de pobre.

Marujo se ofende

MARUJO

Não vou discutir agora, na porta do desfile.

JANE

Marujo…Não olha só o problema, vive o momento. Tá tão lindo… Esse ano não tem pra ninguém, você vai ver!

MARUJO

O ensaio eu já vi, mas tô vendo é o céu ficando preto, o trovão ficando forte e a pista escorregando.

JANE

Pois eu tô vendo a lua cheia, daqui mesmo. Já já clareia. E tu guardou a fé aonde, hein?

MARUJO

Deixa isso pra lá que não é hora de filosofia

Sai Marujo, correndo com as cordas.

Entra Linda

JANE

Onde você tava, menina?

LINDA

(eufórica)

No Mundo! No meio dessa comunidade linda, que de repente resolveu tecer cordas por todos os lados!

JANE

Como é que está essa perna?

LINDA

Tá ótima, novinha em folha.

Jane não acredita

LINDA

Perdeu a confiança?

JANE

Tem mudança na sua roupa

LINDA

Agora?

JANE

Só ficou pronto agora. Essas costureiras tão muito mal-acostumadas com outra época!

Jane começa a experimentar adereços em Linda

LINDA

Elas estão dando o sangue.

JANE

Esse ano a gente precisa de mais do que boa vontade!

Os adereços não servem

JANE

Incompetentes! Vou ter que mandar apertar.

LINDA

Pra que tudo isso?

JANE

Isso é luxo, meu bem! Brilho, glamour, riqueza. Vai se acostumando.

LINDA

Tá mais pesado agora, Jane. Eu não ensaiei assim!

JANE

Eu tenho certeza que você dá conta! O ensaio de vocês foi maravilhoso, é o casal mais lindo de porta-bandeira e mestre sala que eu já vi!

LINDA

Onde ele está?

JANE

Tá arrumando a roupa também.

LINDA

Ainda? Não tava pronto?

JANE

(disfarçando)

Tá apertando

LINDA

Queria que ele tivesse aqui.

JANE

Menina, ele tá cuidando da fantasia, já disse! E você? Vai entrar com essa cara de urgência? O povo lá fora sente se você tá com eles ou com o problema.

LINDA

Jane, eu já disse pra confiar em mim. Esse vai ser o melhor desfile da minha vida, você pode ter certeza!

JANE

Deixa eu ver uma coisa…

Jane aproxima-se do rosto de Linda. Ela fica incomodada

LINDA

Eu não bebi nada hoje, se é isso que você quer saber.

JANE

(disfarçando)

Tô vendo é essa cicatriz aí. Mas essa marca ainda tá forte, vai maquiar melhor esse rosto. Televisão de hoje ocupa metade da sala, dá pra ver tudo! Até espinha!

Ela pisa em falso. Jane percebe.

JANE

Linda, você tem certeza?

LINDA

Meu nome é Lindalva.

JANE

É feio!

LINDA

É da minha mãe.

Jane olha para ela, como se previsse algo

JANE

Olha aqui: Por enquanto eu estou te defendendo. Mas vê se coloca esse coração no lugar, ouviu? Porque se você vacilar…

LINDA

(cortando)

Isso não vai acontecer!

JANE

É bom mesmo. Porque esse ano a gente sobe pro grupo especial.

LINDA

Se depender de mim, a gente vai. Mas a escola não é feita de um só, você deveria saber.

JANE

Tá insinuando o que?

LINDA

É hora, agora, de mudar fantasia?

JANE

É hora sim, sempre é hora de melhorar! É para o bem da Escola.

LINDA

O maior bem da Escola eu não vi hoje ainda…. ouve, ó, o céu desabando? Vai cair aquele pé dágua e a gente vai ter que se segurar!

JANE

Cadê tua bandeira?

LINDA

A nossa?

JANE

É, a nossa.

LINDA

Tá ali.

JANE

Pega lá.

LINDA

Tem braço, não?

JANE

Vai, pega…

Linda traz a bandeira. Jane a veste, como a uma rainha.

JANE

Esse é o seu único fardo. Levantar a arquibancada sorrindo, arrancando o sorriso nem que seja no galope do pé, ou deixando brotar quando o suor fizer cócega no rosto…Ô Linda… Lindalva… Você é a nossa flor da noite, nossa rosa dos ventos. Você aponta a direção e toda a escola dança por trás dos teus dentes abertos de meia lua…

LINDA

A gente vai ter que ganhar. Eu prometi pra ela naquele dia!

JANE

Esquece esse dia, pelo menos hoje

LINDA

E tem jeito? Quem segura pensamento? Quem segura tempo? Se pudesse voltar atrás, se pudesse girar no sentido contrário, se pudesse…

JANE

(cortante)

Não pode.

LINDA

Não posso pensar nisso agora!

JANE

Se não for sorrir pelos deuses, pela escola ou pela vitória, sorria para que os anjos cheguem pra aliviar a alma. É o sorriso que chama o vento, não funciona no sentido contrário.

LINDA

O vento é domínio meu. Pode deixar que eu me seguro.

JANE

Não há deus nem diabo que me faça mudar essa certeza: A vitória vai ser nossa.

Entra Marujo, aceleradíssimo.

MARUJO

(para Jane)

Tá todo mundo na quadra. Quer conferir as fantasias?

JANE

E o navio? Já pegou?

MARUJO

Vai ter que puxar no braço. A ala dos africanos vai fazer como se fosse coreografia, revezando na corda

LINDA

Peraí, pára tudo! A ala toda vai puxar o carro? No braço?

MARUJO

Invenção do Carlão, filha. Já tá todo mundo vestido de escravo mesmo, vira tudo alegoria.

LINDA

Até as passistas?

MARUJO

Claro, né? Senão parece que foi feito de improviso, não de caso pensado! É o carro Abre-alas, não dá pra ficar de fora!

JANE

Eu não tô acreditando! Que avacalhação é essa? Por que vocês não arrumam o motor?

MARUJO

O motor é fraco pro peso do carro.

JANE

Agora você fala?

MARUJO

Só deu pra ver hoje, você sabe bem por que! As novidades não param de chegar!

JANE

Vai comprar outro motor, então!

Marujo prefere não responder. Vai atrás de outra corda

JANE

Invenção do Carlão…É porque não é ele que vai ter que puxar carroça! Isso é boicote!

Jane pega um celular e tenta ligar para Carlão

MARUJO

(reparando no rosto de Linda)

Lindalva, sem maquiagem, ainda?

LINDA

Hoje eu vou de cara limpa. Combina com o enredo, lembra? (anuncia, irônica) “Da escravidão à revolução, das veias abertas à nova civilização”

Jane, ouvindo Linda, ameaça fazer um comentário, mas logo volta ao celular. Ela tenta falar, mas cai a ligação.

MARUJO

Ensandeceu?

LINDA

Pra mostrar a cicatriz. Um batonzinho e a cicatriz…Que tal?

MARUJO

Guarda o delírio pra avenida, tá?  Eu tenho mais o que fazer!

Ela desliga o celular, com raiva

JANE

Marujo, cadê o Carlão?

MARUJO

Tá na quadra dando entrevista.

JANE

Pra quem?

MARUJO

Pros franceses. Só dei uma espiada, ele tava falando do enredo. Nossa, tem umas francesinhas que…

JANE

Chama ele aqui agora!

MARUJO

Vou ver o que eu posso fazer…

Marujo sai.

Silêncio. Jane olha para Linda, como se previsse algo.

JANE

Olha, tem um navio negreiro quebrado, francesada fazendo foto e dez bailarinas apavoradas me esperando lá fora, com rabo de sereia, coroa de lírios, em cima de patins e batendo a cabeça. Me promete que não vai inventar moda?

LINDA

Eu já não disse pra confiar em mim?

Jane encara Linda, como se buscasse uma verdade. Sai.

Linda levanta a bandeira, como se estivesse na avenida.

LINDA

Pra você, mãe…Imagina, na gira, no meio, no seio, na roda, na volta, na falta, na sobra, no olho, na tela, no close, nas casas, lá fora, na hora, na rua…a ruga da curva…

Gira e ri muito. Pára, de repente. Bandeira pra baixo, como arma em posição de sentido

LINDA

Mas a avenida é reta.

VOZ

A corda! Pega outra corda!

Linda começa a se maquiar.

Cena 3

Cuitelinho

Marujo entra, carregando um monte de farrapos. Amarra os tecidos, fazendo uma corda.

Pára por um instante, pega um cigarro. Começa a cantar.

(Cuitelinho, de Paulo Vanzolini)

MARUJO

… Ai quando eu vim
da minha terra
Despedi da parentáia
Eu entrei no Mato Grosso
Dei em terras paraguaia
Lá tinha revolução
Enfrentei fortes batáia, ai, ai
A tua saudade corta
Como aço de naváia
O coração fica aflito
Bate uma, a outra faia
E os óio se enche d’água
Que até a vista se atrapáia, ai…

Recomeça a amarrar os tecidos, enquanto fala para a platéia. A música segue.

MARUJO

É engraçado, apelido… Tem gente besta que acha que eu era das águas, sentem cheiro de maresia, mas a verdade do cheiro é bem outra – é a marvada.

Com quatro anos já tinha missão de servir café misturado com pinga pela madrugada. Era cidade pequena, tinha problema não…Quer dizer, era só não exagerar pro canivete dos macho seguir calado. Praqueles mais manso, eu até servia mais, e foi dessa que veio Marujo – deixava os nego tonto tal qual tivesse em alto mar, do mar que eu nem sabia do cheiro, só do som que a televisão trazia. Mas eu era prevenido, sabia dos cantos que levam os homens pras águas…Nem teve precisão de ler, vi de perto, de casa, de exemplo paterno.

Via a água turva entornando em palavra vazia, em desespero mudo, até que ele emudeceu de vez. Há quem diz que descansou.

Mas tristeza, como diz, é tempero de samba. Então pegava lata de manteiga, eu e o Zé Febre, pegava a lata com capinha de alumínio, juntava bexiga estourada e daí puxava o som. Bexiga estourada mesmo, essas que se usa em festa, balão de criança. Nunca entendi de onde a música veio! Eu, que ouvia seresta. Será que a bexiga guardava nela a euforia da festa? Porque era como se alguma alegria vazasse de dentro, pedindo licença, pedindo desculpa, e o coração desmedido voltava ao normal não pelo peito, mas pela mão.

Zé Febre e os mais outros irmãos ficaram com ela. (para a mãe) Dá tua bênção, mãe. Na minha falta, fique com Deus, que esse mundo é muito grande para fincar raiz. Eu escrevo.

(para a platéia) Botei a terra de casa na unha, mas chegando lá, ela se misturou na areia. Eu nem sabia que, na ressaca, o mar devolvia a miséria que o mundo em volta jogava nele. E nem sabia que a água salgada não podia matar a sede de tanta gente que chegava. Mas o que ela matou foi, das lembrança, o cheiro seco da terra, e a luz ardida do sol.

Acende o cigarro.

MARUJO

Mas isso é coisa de outra época. Cansei do mar, mas não da bexiga, e a maquininha aqui, pra bater, ainda pede compasso. (batuca no peito)

Entra Carlão

CARLÃO

Faz aí, então, um samba, ô Marujo!

MARUJO

Assim, de repente?

CARLÃO

Tu não se diz sambista?

MARUJO

Sem tema?

CARLÃO

Precisa?

MARUJO

Me dá um dia, então…

CARLÃO

Todos que você quiser. Mas por enquanto, vai pra Harmonia. Tá feito?

MARUJO

Mas eu sou compositor…

CARLÃO

Escuta: Ou é do meu jeito ou de jeito nenhum!

Pausa. Marujo aceita.

CARLÃO

Rapaz, você tá chegando agora…Depois de orquestrar uma escola, entender ala por ala, ajudar na evolução…O samba ó, cê tira de letra….

E sem trocadilhos, porque quando eu falo é coisa séria.

VOZ

A corda! Marujo, cadê essa corda?

MARUJO

Tá indo!

Marujo apaga o cigarro e sai correndo com os farrapos.

Linda termina a maquiagem

Cena 4

Sem perder la ternura, o show tem que continuar

Linda ensaia movimentos. Sente a perna, respira fundo. Pisa em falso e quase cai. Apóia-se no joelho.

 

Entra Zita, com uma camiseta do Che Guevara. Dá a mão para Linda se levantar. Zita entende o que acontece, as duas se entreolham, cúmplices.

 

Zita estende a camiseta, mostrando o rosto de Che

ZITA

Já pegou o seu Che?

LINDA

Isso aí não é pra platéia?            

ZITA

É. Mas pedindo com jeito a gente ganha…

Linda dá de ombros

ZITA

O que você tem contra o Che?

LINDA

Todo mundo tem essa camiseta.

ZITA

Só por isso?

LINDA

Só por isso.

Linda continua ensaiando. Sente a perna

ZITA

(irônica)

Achei que você gostasse dos mártires… Morrer pelas grandes causas…

LINDA

Você acha que eu estou adorando ficar com essa perna desse jeito?

ZITA

Eu, hein? Tava aqui, só comentando desse moço, coitado, tão lindo, que se foi tão cedo… que Deus o tenha!

LINDA

Prefiro pensar em quem tá vivo.

ZITA

É melhor mesmo.

Linda volta a ensaiar os passos.

Zita pendura a camiseta e fica olhando para a imagem de Che Guevara com um charuto

ZITA

Você vê, Che, tanta história deu nisso. Você deve se sentir péssimo vendendo camisetas…

LINDA

Deve se sentir pior com Deus, comunista é tudo ateu!

Zita acende um cachimbo

ZITA

Pelo menos ele morreu feliz, olha essa cara de bem-amado…

LINDA

Pára de falar em morte!

ZITA

Eu estou falando é de amor…

LINDA

Pois devia falar menos e fazer mais.

ZITA

E nem é com você, tô falando com meu companheiro aqui. Cansei de ser densa. Agora quero ser fútil.

Zita faz uma espécie de brinde entre seu cachimbo e o charuto de Che

ZITA

Viva La revolución!

LINDA

Não combina, cachimbo não é revolucionário.

ZITA

Ah, não?

LINDA

É espiritual

ZITA

Espiritual não é revolucionário?

LINDA

Dá um trago, então.

ZITA

Não, essa é uma conversa íntima. (para a camiseta) besa-me, Che!

Chega Carlão. Pega a camiseta de Zita

Linda, rapidamente, começa a retocar a cicatriz no rosto

ZITA

Ah, Carlão! Tem camiseta pra cobrir essa arquibancada de cabo a rabo!

CARLÃO

(tomando a camiseta dela)

Pois diga pro seu Marujo que o que não é da conta dele vai pra conta dele!

ZITA

Quem disse que foi o Marujo?

Pausa

ZITA

E a tua conta tá cheia, que eu sei. Pára de contar miséria, tá?

CARLÃO

Você não sabe é de nada, Zita. Pára de repetir fofoca!

ZITA

E eu acho ruim ter dinheiro em conta? Quem gosta de pobreza é político!

CARLÃO

Tá bom, então vai, vai, corre daqui, peste!

ZITA

Me apresenta pros franceses? Queria mostrar meu número pra eles.

CARLÃO

Agora não é hora de fazer social.

ZITA

(pegando a camiseta)

Ah, não? Que engraçado! Acho que eu vi coisa demais, então.

CARLÃO

Cê tá é falando demais, Zita.

ZITA

Eu sei guardar segredo…

Zita sai. Carlão olha em direção a Linda

LINDA

Eu conheço esse teu olho enviesado…

CARLÃO

Também conheço bem esse aí! Deixa ver esse rosto

LINDA

Tá tudo certo

CARLÃO

Deixa ver!

Carlão aproxima-se de Linda, percebe a marca da cicatriz ainda forte

LINDA

Eu ainda não acabei a maquiagem

CARLÃO

Para mim, isso é firula. Quero saber da tua perna

LINDA

Tá ótima

CARLÃO

Quero ver!

LINDA

Não confia não?

CARLÃO

Posso confiar sem ver?

LINDA

Você está me ofendendo.

CARLÃO

Isso é responsabilidade, moça. Não é pessoal. Às vezes o certo não é o que  a gente quer, mas o correto é o correto.

LINDA

Uma ala inteira puxando um carro, por exemplo?

CARLÃO

Isso já tá resolvido.

LINDA

O correto, então, é bem estranho.

CARLÃO

A questão aqui é outra, e eu vou ser bem direto: Você dá conta?

Silêncio. Linda fica irritada

CARLÃO

Eu não quis te falar antes, mas quando soube do acidente…Tive que prevenir, você entende? A Cidinha tá bem treinada. Não chega aos seus pés, mas já sabe o que…

LINDA

(cortante)

O senhor acha que eu vou assim aonde? Num baile à fantasia? Num clube de carnaval? Pois é o que eu devia fazer, sair na rua, mas na rua mesmo, num cordão de rua, de graça, com pé no chão, pisando na terra, não numa pista falsa!

Carlão aproxima-se, paternal.

CARLÃO

Linda, tudo o que eu mais quero é te ver brilhando. Não importa a pista, teu passo é verdadeiro, é o orgulho da Escola ter nossa bandeira nas mãos de uma divindade. Ouviu bem? Porque é isso que você é. (pausa)

Eu sei que a situação tá pesada…(pega a bandeira) Mas isso aqui não pode ser fardo. Tem que ser pluma, entende?

LINDA

Se eu entendo? Eu já não sei de mais nada, nem como eu cheguei aqui! Só lembro de casa, eu lá me preparando, socando o choro pra dentro, então ela pegou na minha mão e sorriu como pôde, sorriso de que tava doendo pra sorrir, que nem falar ela podia. Aí, olhou pra cadeira do lado, e pra minha surpresa, sei lá como, lá estava nossa bandeira, passada a ferro e cheirando alecrim. Encima dela, um bilhete: Vai com Deus e Nossa Senhora, porque no canto do enredo será você a Princesa que encantará a avenida…

Depois olhou para a porta, quase mandando que eu fosse. Desliguei de todo resto, da hora do carro, do carro que vinha, de mim dirigindo com a cabeça na lua, não vi que era curva, pensei que era reta, não vi o caminhão.

CARLÃO

A gente não tem culpa pelo preparo do destino.

LINDA

Eu não posso culpar o destino! Eu achei que dava conta, já tinha passado a onda do vinho. Mas na pista, de uma hora pra outra, minha cabeça voou, voou para longe, e eu acordei com a mão da minha mãe na direção.

CARLÃO

Um acidente. Foi isso, acidente.

LINDA

Eu virei para despedir, dizem que não se deve olhar para trás, mas eu queria uma última bênção. Ela continuava olhando para a porta, mas sem direito a mais nenhuma palavra. Já era corpo vazio sem direito de adeus, foi embora sem avisar que ia! Era só aquele olho na direção da porta me mandando sair.

Pausa

Eu não quero ficar lembrando disso justo agora, não posso!

CARLÃO

Ela vai estar aqui com você, minha filha. Então retoca isso aí, que você vai ter destaque, e em close! E quando sentir a câmera chegando, olha bem pra lente e diz com os olhos o que ainda falta dizer, que ela te escuta. Vai captar o sinal da TV lá no espaço, onde quer que ela esteja…

LINDA

Escuta?

VOZ

Carlão! Vem ver o navio! É tanta corda que já parece outro!

CARLÃO

Aonde tá tua fé, menina?

Carlão dá um beijo na testa de Linda e sai.

Cena 5

Pierrot Apaixonado quer agradar a Colombina

 

Zita treina alguns passos.

Entra Marujo, com uma camiseta do Che Guevara. Ao ver Zita, faz uma reverência.

ZITA

Alô alô, pierrô!

Marujo entrega a ela a camiseta

ZITA

Presente?

MARUJO

Mas não espalha. É pra platéia

ZITA

Vai morrer comigo…

MARUJO

Gostou tanto assim?

ZITA

Vai morrer o segredo, poetinha!  Você é maravilhoso!

Ela lhe dá um beijinho. Ele aproveita e a beija pra valer

ZITA

Êpa, êpa, agora não é hora. Con-cen-tra-ção!

Ela olha-se no espelho

ZITA

Aí, borrou tudo!

MARUJO

Deixa que eu limpo…

Marujo, delicadamente, tira um lenço do bolso e passa nos lábios de Zita.

ZITA

Quisera eu ser rica, muito rica, para fazer um príncipe de ti…

Marujo a olha como se não entendesse

ZITA

Quando é que vai ser a hora? Eu aqui me arrumando, no espelho, pra depois cantar bem alto o teu samba pro mundo inteiro ouvir?

MARUJO

Eu ainda tô na harmonia.

ZITA

(cantando)

“Às vezes eu penso que o tic tac
É um aviso do meu coração
Que já cansado de tanto sofrer
Não quer que eu tenha nessa vida mais desilusão…”

MARUJO

Comigo é só alegria…Se você quisesse…

ZITA

Eu tô falando é de samba, poeta! O que fazem hoje por aí é triste, parece velório!

MARUJO

Fazer samba não é tão fácil.

ZITA

Você não disse que antes fazia?

MARUJO

Era sem responsabilidade. Valendo nota é outra coisa.

ZITA

Não faz pela nota…Faz por você.

MARUJO

Se eu fizer pra mim cai na boca do povo?

ZITA

Pierrô, eu conheço essa estrada. Você vai tentar agradar. Vai atrás do que o povo gosta…Faz um samba, faz trejeito, jeito malandro com charme, faz de tudo, que eles gostam, vira folclore, mito latino, arara real! Sobe na vida, some da gente, dá com a cara na porta, perde a cabeça, bebe o sucesso, vira carcaça, segue sorrindo, cai na sarjeta.

MARUJO

Isso dá samba!

ZITA

Tá mais é pra um tango.

MARUJO

Você fala com uma certeza que dá até medo. Começar pra que, com um final desse?

ZITA

O problema não é o começo, é o primeiro passo depois da encruzilhada… Querer agradar.

MARUJO

E você, princesa dos olhos de cristal…Também não quer agradar?

ZITA

Eu já agrado. Isso aqui é jóia rara, não é pra qualquer um não, viu? Tem que merecer!

Pára. Inspira-se com um verso

MARUJO

Se uma estrela se apaga,

por que nasce, então, gloriosa?

Será para furar galáxias

Iludindo os vivos

mesmo depois de morta?

Zita ri do seu momento de inspiração. Ele fica envergonhado

 

VOZ

Ô Marujo, vem testar essa porra de efeito especial chinês que tá dando problema!

MARUJO

Vou compor, então, pra você.  Pra minha boneca! A musa Carmenzita! (para a camiseta) Esconde isso aí!

Marujo sai correndo

ZITA

A musa Carmenzita! (imita Carmem Miranda) O que é que a baiana tem? (cai na real) Tem é que se maquiar rapidinho que tá chegando a hora!

Começa a retocar a maquiagem

Entra Poeira. Vê a camiseta nas mãos de Zita. Chega de mansinho

POEIRA

Gostou do presente, né? Mas eu falei pra esconder, senão todo mundo vai pedir!

ZITA

Bom… Presente roubado não é bem assim presente…

Poeira agarra Zita, num abraço. Ela parece gostar, mas continua se arrumando.

POEIRA

Mal agradecida!

ZITA

Ah, acabou a pressa?

POEIRA

Já resolveram o problema. Acabou tudo que era corda e tiveram que usar até pedaço de pano retorcido.

ZITA

Sério? E agora?

POEIRA

Vamos dizer que o assunto foi contornado.

ZITA

Ainda bem que a ala é esfarrapada!(faz charme) Sabe que eu nem devia estar falando com você, né?

POEIRA

Ah, não?

ZITA

Tem uma semana que eu te ligo e cê não atende nunca…

POEIRA

Me cortaram o telefone

ZITA

Conta outra, tá?

POEIRA

Entre as conta do bar e dos telecoteco, pago pro Zé, que é truta e é gente. Pra pessoa jurídica de sede internacional eu devo, não nego e nem pago, que o rabo deles já tá é vazando moeda.

ZITA

Nossa, quanta indignação! E desde quando o que vem de fora te preocupa?

POEIRA

Desde quando começou a me encher o saco. Tá uma babação danada por aqui, tem gente mais preocupada com foto, livro, o escambau, que com o desfile!

ZITA

Não estou entendendo a relação disso tudo com seu telefone. Cê tá é me enrolando!

POEIRA

Tu não entende porque é tonta.

ZITA

Isso, vai tratando mal…Tem gente com senha na mão fazendo fila ali, ó!

Poeira finge que vai embora

POEIRA

Sem banana macaco se arranja…

ZITA

Se for embora e não retirar o que falou, não precisa voltar mais.

POEIRA

Minha palavra não é vagabunda não, nêga, é coisa séria. No que eu falo eu não volto atrás. É pegar ou largar.

Pausa.

Zita percebe que Poeira falou sério. Abre mão do jogo.

ZITA

Olha, como hoje eu estou muito feliz e maravilhosa, te perdôo.

POEIRA

Quanta generosidade!

Ele a beija

ZITA

Na quadra não, mas aqui pode, né?

POEIRA

É mais gostoso. Lá é pra concentrar, aqui a gente dispersa…

ZITA

Ou aqui não tem quem veja?

POEIRA

Aqui é só mais gostoso…

ZITA

Você não tá merecendo, mas eu tenho um segredo …

POEIRA

Pra mim?

ZITA

Vou pensar se conto ou não.

Ele tenta beijá-la de novo, ela se afasta.

ZITA

Peraí, acabei de consertar a maquiagem.

POEIRA

Tá… E tava aí retocando por que?

ZITA

E eu lá fico parada, xuxu? De hora em hora a cara cai, tem que ficar linda de novo…

POEIRA

Sei…O que é que segredo é esse?

ZITA

Seu samba tá tão bonito…tão dizendo que vai pro filme.

POEIRA

E porque ninguém não me falou nada?

ZITA

Era surpresa!

POEIRA

Isso tá esquisito…

ZITA

Deixa de ser mal-agradecido! Eles disseram assim: “Esse samba é um sopro de otimismo na barbárie terceiro-mundista”…é…não é pouca coisa não! Tô tão orgulhosa de você, meu poeta!

Ela o beija

Chega Carlão, os dois se recompõem

Zita esconde a camiseta.

CARLÃO

Ô Poeira, preciso de um particular com você… coisa importante…

Zita fica esperando.

CARLÃO

(para Zita)

Um particular!

Zita sai piscando para Poeira

CARLÃO

Cuidado com rabo de saia…Às vezes é bom pensar com a cabeça de cima!

POEIRA

É você que vai dar o exemplo?

CARLÃO

Bom, isso é problema teu. O assunto aqui é outro. É sobre o samba.

POEIRA

A coisa do filme? Eu nem tava sabendo.

CARLÃO

Não, isso aí é bobagem. É coisa pra agora, já, no desfile. Uma alteração simples.

POEIRA

Cê tá de piada?

CARLÃO

Tô com cara disso?

Pausa

POEIRA

Peraí, Carlão! No samba eu não mexo!

CARLÃO

É só uma palavrinha…

POEIRA

Puta que pariu! Nem a pau! Você tirou essa idéia de onde?

CARLÃO

Caiu do céu! Lá de cima, entendeu? Já tentei de tudo, disse que era de última hora, mas eles acharam genial!

POEIRA

(irônico)

É claro que deve ser genial! Mas fala aí pro seu Olimpo que agora é tarde.

CARLÃO

Poeira…Eu também tô puto. Mas pensa na Escola. A gente não pode arriscar!

POEIRA

Qualquer coisa, Carlão, menos isso! Eu empresto até mulher, mas minha palavra é sagrada!

CARLÃO

Deixa de ser hipócrita, Poeira! Desde quando você se importa com essas coisas?

POEIRA

Palavra, Carlão, não é qualquer coisa não! Eu não tô aqui posando de santo nem herói, mas se tem uma coisa que ninguém pode me acusar é de falar prum lado e fazer pro outro.

CARLÃO

Ô Poeira! Não tô dizendo que você não tem razão, mas tenta ver o outro lado…Não é uma mudança tão grande assim… Ó: (cantarola o samba-enredo)

“No Monte Santo, surgiu

Semente nova, ê ô

A nossa gente,

já é hora de regar…”

POEIRA

Mudar de terra santa pra monte santo?

CARLÃO

Coisa pouca!

POEIRA

Peraí, deixa eu entender…É pra trocar poesia pelo nome do patrocinador?

CARLÃO

Não é o nome!

POEIRA

Quase nada! Monte Santo, Monsanto, é tudo a mesma merda! Bem no refrão! Vai todo mundo achar que eu sou o que? Um otário!

CARLÃO

Isso é frescura, Poeira!

POEIRA

Então escreve outro samba! Coloca aí qualquer palavra que você quiser! Monsanto, Rio santo, cascata santa, Detefon, Basf, Bayer, Baygon, Lactopurga, pode escolher qualquer uma! Mas a minha letra você não usa!

CARLÃO

Eu não admito cinismo!

POEIRA

Eu não sou moleque de recado! Se você quer mostrar o rabo então abaixa a tua calça!

CARLÃO

Caralho, você quer que eu faça o que?

POEIRA

Faz só o que você tem que fazer. Dirige essa porra!

Silêncio

CARLÃO

Vamos fazer o seguinte? Fala uma vez só… Na hora que a televisão estiver filmando.

POEIRA

Isso aí é idéia sua, né não?

Eu não tô te reconhecendo…Abre o jogo, Carlão!

CARLÃO

Que jogo? Tu nasceu inocente? Um infeliz foi dormir, sonhou com dólar, ficou com insônia, misturou com samba e discou um número. O meu! Devia ter desligado a desgraça do celular, mas não, atendi. Sugeriram, assim, como quem não quer nada, bem na hora que eu via a quadra cheia, lotada, faz cinco minutos.

POEIRA

Sugestão não é ordem

CARLÃO

Em português não. Mas a língua deles é outra.

Silêncio

CARLÃO

Eu não queria apelar, mas você assinou os direitos. O samba agora é da Escola.

POEIRA

Tá certo…Mas a decisão foi só tua.

CARLÃO

Você quer convocar eleição na boca da avenida pra mudar uma palavra?

POEIRA

Se adiantasse, eu faria. Mas quando a corda tá no rabo ou enrolada no pescoço, quem é que consegue pensar, né não?

Entra Jane, vê a discussão, em silêncio.

CARLÃO

Já que você não deixa escolha, a última palavra é a minha!

POEIRA

(desafiando)

Aqui pode ser…Mas na avenida, a voz da Escola tá é na minha garganta.

Carlão perde a paciência e vai para cima de Poeira

CARLÃO

Escuta aqui, Poeira, a gente não tem mais tempo e eu não tô pra gracinha. Isso aqui é muito sério. Vai colaborar ou tá fora?

POEIRA

Em nome do pai…trocínio…e do Monte Santo…Amém!

Poeira sai, malandro, cantarolando a “nova letra”, como se estivesse ensaiando

POEIRA

No Monte Santo, surgiu

Semente nova, ê ô…

Cena 6

Quanto Vale?

Jane continua quieta, olhando para Carlão. Ficam um tempo em silêncio.

JANE

Me diz uma coisa… o que acontece quando um santo do pau oco toma por assalto o Céu e proclama para si o direito à divindade?

CARLÃO

(cortando o assunto)

Tá tudo bem lá fora?

JANE

Lá fora tá… Aqui dentro não sei…

CARLÃO

Tá tudo certo.

JANE

Não parece, nunca vi o Poeira assim. É a mudança do samba?

CARLÃO

Frescura de compositor.

JANE

E se ele tiver razão?

CARLÃO

Não me venha você também! Não foi você que disse que valia tudo esse ano? Não gastou horrores em brilhinhos e plumas?

JANE

Até agora as exigências foram razoáveis! Mudar a letra já é demais!

CARLÃO

Quem foi que disse? É uma bobagem! Não muda nada!

JANE

Começa assim! E depois, como segue? Como vai ser no ano que vem, e no outro? Se a gente já começa cortando um dedo?

CARLÃO

Não é possível, a gente não pode estar falando da mesma coisa!

JANE

Pra que se rebaixar tanto?

CARLÃO 

Para com esse drama você também! Vocês não entendem? É o jogo! É esse o jogo, a circunstância, querendo você ou não!

JANE

Nada é tão imutável assim! Tem limite, Carlão!

CARLÃO

Eu jogo alto, você sabe.

JANE

Tá jogando é tudo pra cima

CARLÃO

Então você tá do lado dele? É isso? Um compositorzinho arrogante que só pensa no próprio rabo?

JANE

Não existem só dois lados. A Terra é redonda, esqueceu?

CARLÃO

Você vai ter que escolher um.

JANE

Eu fico do lado da coerência! Que não é nenhum desses aí!

CARLÃO

Queria só ver se você estivesse no meu lugar…

JANE

Eu não quero o seu lugar!

CARLÃO

Então não fala! Porque esse, esse é o lugar de quem decide! Se você não quer decidir, não critica!

JANE

Pra você é bem mais fácil ver as coisas assim, não? O “fazer” justifica tudo!

CARLÃO

Eu não disse isso.

JANE

Até a traição!

CARLÃO

De que traição você está falando?

Silêncio

CARLÃO

Agora não é hora.

JANE

Nunca é a hora.

CARLÃO

Tem gente esperando, Jane!

JANE

Sempre tem, e sempre terá, né não? Tem sempre alguém na frente… Parece que o tempo não é dádiva nossa.

Carlão tenta se acalmar e aproxima-se de Jane, carinhoso

CARLÃO

Escuta…

JANE

Agora não. Tem gente lá fora, lembra? Mas só entende uma coisa, só uma: Cuida! Cuida para que a nossa Escola não tenha o mesmo destino da nossa história.

tempo

CARLÃO

Não tô te entendendo.

JANE

Falta ar, Carlão. Sopro. Senão é tudo glória feita de casca, voa tudo no primeiro vento.

CARLÃO

Será que é tão difícil entender? De onde veio esse radicalismo todo aqui? Parece que eu tô cometendo um crime, meu Deus, e tudo, tudo o que eu estou fazendo é só pelo bem de todos! De todos! Quer dar as mãos pro Poeira e me crucificar, então crucifica, faz o que você quiser, mas eu não vou ficar aqui ouvindo bobagem!

JANE

Cuidado, viu? O que é bobagem pra um pode ser o mundo do outro.

Surge a imagem de uma francesa

JANE / FRANCESA

Vem, mulato mole
Dançar dans mes Bras

Vem, moleque me dizer
Onde é que está
Ton soleil, ta braise
Ne me quitte pas

Ne me quitte pas

Ne me quitte pas…

CARLÃO

Não entendi o que isso queria dizer, mas nem importa mais.

Ela, a antropóloga. Antropóloga…(saboreia a palavra)

Veio de navio e ficou, com ar de princesa, fazendo pesquisa, mexendo na gente.

Três dias de vida vivida no talo. Sumi até do meu mapa, de casa, perdi o rumo, coisa esquisita, pior que amarrar um fogo com pinga de quinta. Depois ela sumiu, dizendo que a luz tropical cegou os olhos e agitou demais um coração acostumado a bater pouco.

“Tu es un voyage sans retour”

Aquilo eu entendi! E é claro que foi desculpa.

E eu sou lá homem de me derreter?

Era só mais uma, porra! Só mais uma…

Mas depois daquele dia

ficou frio por fora e queimou dentro.

Agora eu só tô vendo em cinza.

Eu não agüento mais!

JANE

Eu já sabia.

Subi alto e me atirei, me joguei no momento certo, porque sabia que você não ia estar lá embaixo para me segurar.

Sinto ainda o frio da faca abrindo as costas, formando um vale na minha espinha. Quis te matar, por ter me matado. Deixei que você me traísse para me livrar do medo, e agora pergunto por quê, já sabendo que não saberei. Quem eu era, que já não seja mais.

Despeço de mim mesma sem pedir desculpas, saio de casa sem levar reforço, bato a cara no primeiro poste, continuo andando sem ouvir a resposta, porque não quero ouvir mais meu choro. Continuo procurando alguma coisa perdida.  Sigo sem direção com os olhos vendados e a pele exposta. Vou pra tão baixo que nem me permito o amparo, ranjo os dentes para não ficar congelada, subo de volta amparada num grito, tapo a ferida com o que posso.

CARLÃO

Desculpa.

JANE

É tarde.

Entra Zita.

ZITA

Bom jour…

CARLÃO

Que foi Zita?

ZITA

Pardón…Achei que você ia gostar de saber…

CARLÃO

Que foi? Mais problema?

Entra Marujo, testando um microfone

MARUJO

Alô, som! (vê Carlão) Carlão!Tem uma gringa te procurando lá na quadra.

CARLÃO

Aqui?

MARUJO

Chegou agora e já tá exigente. Quer falar com você.

Jane sai, nervosa. Carlão fica desconcertado.

ZITA

Vou falar que você já vai!

(sai cantando)

MARUJO

(malandro)

Quer que eu falo que você tá ocupado?

CARLÃO

Não, não. Eu vou lá ver o que ela quer…(pausa) Marujo…Eu vou precisar muito da sua ajuda hoje. Nada pode dar errado, tá ouvindo? A gente não pode errar!

MARUJO

Tô fazendo o possível.

Entra Poeira. Carlão o encara.

CARLÃO

(saindo)

Hoje o possível é pouco. Vamos ter que fazer uma forcinha maior.

Silêncio

MARUJO

Tô sabendo do samba

POEIRA

Tá,é?

MARUJO

E aí? Vai mudar?

Poeira não responde

MARUJO

Eu sempre admirei esse idealismo do samba, sabe? Tanto sacrifício, tanta luta, essa realeza que não fica só na quadra, mas que invade o arroz-feijão do dia a dia…essa força da avenida que  estampa de nobreza até um corpo mais humilde igual ao meu…Não é isso, o mais importante?

POEIRA

(desconfiado)

Aonde é que você quer chegar, seo Marujo?

Marujo deixa-se tomar pela realeza. Segura o microfone como se fosse um cetro.

MARUJO

Se eu fosse você, não mudava.

Silêncio

POEIRA

Tem hora que é bom ser diretor de Harmonia, né não?

Poeira pega o microfone das mãos de Marujo e sai. Marujo cai em si e volta, nervoso, à sua função.

MARUJO

É pra hoje essa concentração! Onde é que está o resto da bateria? Isso aqui é um desfile ou uma festa, hein? É pra hoje!

Sons da bateria ensaiando

 

Cena 7

À beira do abismo

Linda, de roupa posta, entra em silêncio.

Ela reza

LINDA

Senhora…Minha mãe…

Faça com que essa noite de destino ignorado tome o rumo certo, mesmo que eu não compreenda…ilumina meus passos, fortalece minhas pernas e me conduza, mesmo que eu ainda não tenha a vista clara. Ilumina, senhora, ilumina o meu futuro.

Constrói sob meus pés uma pista verdadeira e eu seguirei dançando, mesmo sem saber o rumo.

Entra Zita, em outro ritmo.

ZITA

Gente, vem tirar foto! (vê Linda) Eu, hein? Tá falando com quem?

LINDA

Achei que ia chover.

ZITA

Ainda bem, né, que o santo colaborou! Mas e com você, tá tudo bem?

LINDA

Ainda está escuro.

ZITA

Claro que tá escuro, tá de noite!

Zita aproxima-se de Linda

ZITA

Que cor você vê nos meus olhos hoje?

LINDA

(sem olhar, já sabendo a resposta desejada)

Azul

ZITA

Me fala…Quanto você já bebeu?

LINDA

Até você vai me encher o saco?

ZITA

Olha, eu não sou tua mãe, aliás, que Deus a tenha! Mas cuidado, nêga, cuidado pra não escorregar!

LINDA

Eu já disse que eu me seguro.

ZITA

Não tô nem falando pela escola, mas por você mesmo! Já tá carregando muita culpa nas costas

LINDA

Ah, sai daqui, Zita!

ZITA

Tá bom, vamos falar do que interessa…

Zita mostra a Linda um turbante com arranjo de bananas, como o de Carmem Miranda

ZITA

Surpresa!

Entra Jane, com mais adereços para Linda.

JANE

(para Linda)

Ó, experimenta isso aqui.

Jane vê Zita com as bananas

JANE

Que coisa horrorosa é essa?

ZITA

Adereços extras.

JANE

Você não está falando sério, né?

ZITA

Onde já se viu, a alma da bateria, sem banana? Olha o efeito!

Zita coloca o arranjo na cabeça

JANE

Mas nem que hoje fosse o último dia da minha vida!

ZITA

Carnavalesca não é dona da escola, sabia? Vai lá mandar nas suas bailarinas!

Enquanto as duas discutem, Linda experimenta os novos adereços e tenta girar.

JANE

Zita, isso é ridículo! É obvio! É cafona! Sua roupa é só uma homenagem à Carmem Miranda, não é pra encarnar a mulher.

ZITA

Ô Filha, quem fica guardando data é museu. E eu não estou aqui pra lembrar do passado, eu quero é o presente, porque o meu futuro é hoje!

JANE

Falasse antes, não no dia do desfile!

ZITA

Eu falei, você não ouviu, vivia ocupada! Isso tudo é implicância sua, só porque eu ri daquela ala: “Guerreiras sem nome na História”. Tem cabimento? Você teve foi preguiça de pesquisar!

JANE

Isso é despeito. Preconceito. Se o carnavalesco fosse o Bicudo, você ia ficar quieta

ZITA

“Guerreiras sem nome na História”. Tá parecendo um monte de She-has! Depois sou eu que tenho preconceito. A única mulher citada no enredo foi idéia minha!

JANE

Cada uma no seu lugar, tá falado?

Zita finge que não escuta, começa a cantarolar South American Way. Jane parte pra briga.

JANE

Tá achando que é diva? Desce desse salto!

Linda cai no chão. As duas param de brigar e vão socorrê-la.

Jane encara Linda com seriedade.

Linda levanta-se, como se nada tivesse acontecido.

LINDA

Eu tô muito pesada, é só isso. Ó, esse monte de coisas, tenho que me acostumar com…

JANE

(cortante)

Seu problema é essa perna, não as alegorias.

LINDA

A minha perna está ótima!

JANE

Você sabe o tamanho da sua responsabilidade, não sabe, moça?

LINDA

E você acha que precisa me lembrar disso?

JANE

Ótimo. Então cuida pra não cair de novo e arrastar a Escola inteira junto.

(para Zita)

E ai de você, se me aparecer com essa cafonice!

Sai Jane.

ZITA

Não tá chovendo lá fora, mas a tempestade aqui dentro tá brava…

Entra Poeira

POEIRA

(para Zita)

Tão te chamando na quadra

ZITA

Quem?

POEIRA

Um bicho estranho. Quer saber não sei o que da madrinha da bateria…

ZITA

(animada com a novidade)

Ó! Já tô vibrando com o batuque…

POEIRA

Sei…

Poeira repara nas bananas na cabeça de Zita

POEIRA

É cada idéia que a Jane tem…Que coisa é essa na sua cabeça?

ZITA

Ah, vai chupar parafuso! Eu gostei!

Zita sai, contrariada.

Poeira estranha a atitude alheia de Linda

POEIRA

(para Linda)

Tá tudo certo?

LINDA

Tá.

POEIRA

E tua perna?

LINDA

Eu me agüento.

POEIRA

Se eu pudesse eu ia no seu lugar, mas essa saia não me cai muito bem…

Silêncio

LINDA

Tá tudo muito estranho hoje ou eu é que estou louca?

POEIRA

Já não sei de mais nada. Pra te falar bem a verdade, hoje até meu nome eu ando estranhando. É como se fosse assim, um cachorro, sabe, que passa a vida toda do teu lado, é teu amigo, e de repente, de um dia pro outro, é só mais um vira-lata…

LINDA

Não consigo nem te imaginar com outro nome.

Entra Marujo, acelerado

MARUJO

Quem tá pronto vai saindo! Tá na hora, tá na hora.

POEIRA

Ó o coelho da Alice…

MARUJO

Não folga, Poeira!

POEIRA

Eta…Sambista tem senso de humor, sabia? Faz parte…

Entra Jane

MARUJO

Parte que por enquanto é tua. Eu tô cuidando da minha.

JANE

E isso é hora pra discussão? Todo mundo na quadra e os dois galinhos medindo o pinto? O Carlão tá lá esperando!

MARUJO

É isso que eu tô tentando falar desde que eu entrei aqui!

POEIRA

Hora do show antes do show…

JANE

Mais respeito, moleque. Tem gente que nasceu antes, viu?

Poeira sai.

Marujo olha ansioso para Linda, que está terminando de colocar os últimos adereços.

Jane, num gesto, pede para que ele saia.

Jane aproxima-se de Linda.

JANE

Desculpa. Eu tava nervosa naquela hora.

LINDA

Tá na hora.

JANE

É. Tá na hora.

LINDA

Como ficou?

JANE

A parte de fora tá pronta. A melhor maquiagem, agora, é a alegria.

Linda concorda. Jane a segura, levanta sua cabeça, a faz estufar o peito.

JANE

Se na hora bater um medo, se entrega pro vento e ele leva os seus pés.

Linda sai.

Jane reza aos céus.

Cena 8

A boca da apoteose

Sons de batuque.

Carlão reúne a escola para dizer algumas palavras. Fala em um microfone.

CARLÃO

Antes de tudo, gostaria de agradecer a Deus e a todos os Guias, por estarmos hoje, aqui. Apesar da luta árdua durante todo o ano, tivemos problemas na madrugada, resolvemos com garra, esse é meu orgulho. São nesses momentos que se faz uma Escola, e não só na glória, mas também na perseverança.

Nossa Escola não é o resultado de uma invenção. É o resultado de uma história. Uma história feita de gente madura, calejada e otimista. Nosso futuro será grandioso, porque a nossa alegria é maior do que a nossa dor, a nossa força é maior do que a nossa miséria, a nossa esperança é maior do que o nosso medo.

Nós podemos dar muito a nós mesmos e ao mundo. Por isso devemos exigir muito de nós mesmos, porque ainda não nos expressamos por inteiro na nossa História. Porque nossa Escola, nesse novo momento, terá de contar, sobretudo, com seus componentes, terá de pensar com a sua cabeça, andar com as suas próprias pernas, ouvir o que diz o seu coração. E todos vamos ter de aprender a amar com intensidade ainda maior o nosso pavilhão, amar o nosso samba, amar a nossa gente. 

Ontem, meus amigos, apesar das dificuldades do momento, eu tive um sonho: Nesse sonho, nossa escola viverá o verdadeiro significado de sua existência, que é ser a gigante da avenida! Atravessamos o deserto da estagnação, a terra fértil já está à vista! Só teremos que perder o medo do novo, de sermos grandes, porque esse é nosso destino!

Salve Nação!  E tome samba, que hoje a nossa escola vai trazer com ela o sol na avenida !

O Som dos tambores aumenta. É chegada a hora de entrar.

Carlão passa para as mãos de Poeira o seu microfone, como se fosse um cetro. Há uma tensão nesse momento. Poeira torna-se o porta-voz da escola.

POEIRA

Salve comunidade! Salve arquibancada querida, salve meu são Sebastião! Chegou a hora, meu povo, são as sementes do novo mundo tomando o seu lugar na avenida! Da escravidão à revolução, canta com a gente, Brasil!

Ato II

O Maior Show da Terra


Cena 1

Abre-alas

Batuque: A escola entra na avenida

A partir de agora, a peça torna-se um grande desfile. As cenas passam como alas da escola de samba, numa estrutura de coro e corifeu.

Comissão de frente

Carro abre-alas – Navio negreiro

Ala africana – a escravidão

Ouvimos o samba-enredo. Abre-se um tecido azul, comissão de frente chegando.

JANE

Vai…Vem…vai…vem… vai…vem…é hoje! É pra hoje!

Nunca vi nada mais lindo, o azul se abrindo e girando em patins…O manto azul sendo levado, abrindo e fechando, abrindo, fechando, abrindo, girando…O mar glorioso de vida, lavando a avenida pra escola passar. Perfeito, tudo perfeito, fizeram valer o esforço, essas bailarinas. Um mar que brilhava, de tanto gliter, de tanto grito, de tanta glória!

Jane começa a cantar o samba

APURAÇÃO

Comissão de frente…Dez, nota dez!

Entra Carlão, com a camiseta do Che Guevara. Seu texto é um misto de depoimentos com comentários de apresentador de TV

CARLÃO

Entrada assim eu nunca vi… Era a hipnose da apoteose. Jane, minha rosa, você arrasou! Aquilo não foi uma entrada, foi um renascimento! Eu vi a arquibancada levantando logo de cara, maravilhada, e eu agradeci a Deus. Nada, mas nada tinha sido em vão!

JANE

Não, meu querido, não foi em vão…

A gente só agüenta o tranco porque o sangue na veia é muito, e a alma não é pouca não…

CARLÃO

E agora o carro abre-alas, uma réplica perfeita de navio negreiro. A carnavalesca Jane dos Santos ousou nos seus últimos limites, toda a ala está puxando o carro. Não, não houve nenhum problema, é uma opção mesmo, senhoras e senhores! Nós temos que parar com essa mania de carnavalizar a desgraça, maquiar tragédia e fazer piada. A escravidão foi boa? Não! Então a ala não vai sair pulando como se isso não tivesse acontecido, ora bolas!

Você vê, quando você acha que não há limites para a criação…Taí, o desfile “dramatizado”, invenção da Nossa Escola, pra você, direto da telinha!

Enquanto Carlão fala, a ala dos escravos passa, puxando cordas. Linda vem junto, apenas caminhando.

A ala passa por ela e sai

O samba-enredo, aos poucos, torna-se um jongo

Durante o jongo, Linda vem à frente, com a bandeira enrolada na mão.

LINDA

Toma, filha, que agora é teu o estandarte, o nosso pavilhão. É memória feita de pano, bordada por dona Nenê, benzida por todos os santos, abençoada pelas palmas e levantada por essas mãos em dez anos de avenida…

Ela a desenrola, calmamente. Enquanto abre a bandeira, pétalas de flores caem de dentro dela.

LINDA

Toma, Lindalva, que a guarda agora é só tua. Sustenta bem alto, no dedo mínimo do mastro, no orgulho do salto, no marfim do sorriso e na humildade dos aprendizes, o seu maior tesouro: a resistência da nossa história.

Linda segura a bandeira nos braços, como se fosse um bebê.

Volta o samba-enredo, com toda a força

LINDA

A corda! A corda enrolou no pescoço dela! A Regina desmaiou!

(muda o registro)

Os pés estão descalços e secos no chão do jardim. Nada penetra das flores, nos poros…

Menina, quem mandou sair sambando? Quem mandou sair sambando? Tinha era que puxar a corda, menina!

JANE

Marujo!

Volta a ala da escravidão

CARLÃO

(como se falasse da torre de transmissão da TV, como um comentarista)

Seguimos na evolução da ala dramatizada! Uma escrava desmaia e é carregada nos braços por um marinheiro.

JANE

(para Marujo)

Fala pra ela seguir no desfile!

LINDA

(como se olhasse o desfile)

Ela tá desmaiada! Tira ela do desfile!

JANE

(para Marujo)

Fala! Vai que ela agüenta!

MARUJO

Você tá louca? Ela caiu!

JANE

(saindo)

Olha o buraco, Marujo! Não deixa!Manda essa mulher levantar! Levanta a mulher!

LINDA

Perdão, minha mãe, pela incoerência dos gestos desesperados…

CARLÃO

(ainda como comentarista)

São os mártires africanos, minha gente, que deram a vida e o sangue pela construção do país!

LINDA

(para Carlão)

Ela precisa de socorro médico!

CARLÃO

(comentarista)

Olha lá, levantou! A mulher levantou, olha só a garra, a vontade, o desejo de continuar! É dessa força que nossa terra é feita, caiu, levanta, morreu, renasce!

LINDA

Não foi essa a escola que minha mãe fez nascer!

CARLÃO

(comentarista)

A gente tem que seguir em frente, minha gente, é esse nosso destino!

LINDA

A qualquer custo?

CARLÃO

(comentarista)

Essa é a marca da nossa raça! Ninguém arranca da gente!

Linda levanta o estandarte como um protesto.

 

Pára o samba-enredo, como se Linda segurasse o momento

CARLÃO

(para Linda)

Você quer parar o tempo? Não dá! Agora é assim, tudo ou nada, ou você morre. Ou você morre, tá me entendendo?

LINDA

Você quer morrer, Carlão?

CARLÃO

Eu não posso. Não posso me dar a esse luxo, eu não sou mais um homem. Eu sou um coletivo…de duas mil e quatrocentas pessoas…tudo nas minhas costas! Nas minhas costas!

LINDA

Nas suas costas você só tem uma história. E que ninguém pediu para você carregar.

CARLÃO

Olha como você fala comigo, moça! Teu papel aqui é outro, vai cuidar da sua vida, que daqui a pouco você entra!

LINDA

Minha vida é essa escola!

CARLÃO

Então faça por merecer!

Linda o encara, em desafio, depois sai.

Volta o samba-enredo

Carlão observa sua saída, preocupado.

Toca o telefone

CARLÃO

Carlão. Que foi? Agora, essa merda?

(desliga)

Marujo!

Marujo entra correndo

MARUJO

Manda, Carlão!

CARLÃO

Cadê a Zita?

MARUJO

Tá preparada

CARLÃO

Chama ela aqui!

MARUJO

Agora? Ela tá pra entrar!

CARLÃO

Quanto tempo?

MARUJO

Dez minutos.

CARLÃO

Dá tempo, mas corre, Marujo! Vai! (pausa) Ô nego mole, é pra correr mesmo!

Cena 2

O Tico Tico tá comendo o meu fubá

Ala das Colonizações

Entra Zita, ofegante

ZITA

Fala, paizinho

CARLÃO

Fala você. É entrevista.

ZITA

Agora?

CARLÃO

Vai, dá tempo. É importante!

ZITA

É pros franceses?

CARLÃO

É outro povo. (para o documentarista) She is here!

DOCUMENTARISTA

I’d like to know if this fruit salad doesn’t disturb your performance.

CARLÃO

É…Os arranjos da cabeça não te atrapalham sambar?

ZITA

Ah, não, a gente já está bem acostumado a levar coisas na cabeça desde criança. It’s part of our culture!

(para Carlão)

Alguma coisa eu falo.

DOCUMENTARISTA

Oh, yeah…And who are you here, quien é você aquí ?

ZITA

Zita. Carmenzita

DOCUMENTARISTA

Yes, but, your history, Carlón, help…historia…

CARLÃO

A tua história aqui, Zita. Um breve release…

ZITA

Em cinco minutos? Que louco! Ai meu Deus, tá bom, tá bom. (fala rápido, atropelando as palavras) Olha, quer saber o que eu acho, o lugar onde você nasce não importa, o sangue tem uma certa importância, mas só no temperamento, não na maneira de sentir as coisas, o que interessa mesmo é o que vocês chamam de “environment”, o mundo de longe é só uma bola azul e branca, né? De perto sei lá, mas não é diferente da maioria daqui não, na comunidade, community…

CARLÃO

(cortante)

Não é isso que ele quer saber.

ZITA

Então pergunta direito, porra! Eu tô nervosa!

Carlão ofende-se, mas disfarça

CARLÃO

What do you really wants to know?

DOCUMENTARISTA

Your history… here. The costume, for example…

ZITA

Eu custumo sair de vez em quando, faço show em teatro, navio…

CARLÃO

I use to do some shows in theatres…

DOCUMENTARISTA

(cortando Carlão)

No, no, explain your character…

ZITA

Caráter?

CARLÃO

Personagem! Quer saber da tua fantasia!

ZITA

Ah, tudo isso só pra isso?

DOCUMENTARISTA

Yes, fantasia!

ZITA

Carmem Miranda, do you know?

DOCUMENTARISTA

Oh, sure! Everybody knows … The Tcha tcha tcha…

ZITA

Ele não tinha percebido ainda?

CARLÃO

Didn’t you realize it?

DOCUMENTARISTA

No, it is a little bit different…

ZITA

Diferente o caralho, tá igual! Praticamente uma encarnação!

CARLÃO

(sorrindo, disfarçando)

Deixa de ser mal criada!

ZITA

(também sorrindo, disfarçando)

Quem mandava em mim já morreu!

DOCUMENTARISTA

Oh! You have a beautiful smile!

ZITA

(para o documentarista, sorrindo ainda mais) Tanks. (para Carlão) De que TV ele é mesmo?

CARLÃO

E não é TV, é documentário. É pra fora, entendeu? Pros apoiadores!

DOCUMENTARISTA

I can see that behind the bananas and the wonderful smile there’s a great brain working…I like it ! Later… I want a private interview…

Zita olha pra ele, esperando a tradução. Carlão fica constrangido.

CARLÃO

É… “debaixo das bananas e do sorriso tem um cérebro funcionando…”

ZITA

(cortante)

Como é que se fala vai se foder nessa língua?

CARLÃO

Calma, foi um elogio.

ZITA

Só se for pras nêga dele. (sorrindo pra o documentarista) Palhaço!

CARLÃO

She said it will be a pleasure.

ZITA

Vai ser o que, um prazer?

CARLÃO

Zita! Ele só quer uma entrevista.

Zita pára, pensa no assunto, se acalma.

ZITA

Já que tu é garoto de recado, diz aí que eu vou pensar…Mas só depois, que agora tá na minha hora!

Zita sai, toda diva, sorrindo.

CARLÃO

It´s ok. Tenks.

Cena 3

Evoluindo

Ala guerreiras sem nome na história

Ala Movimentos sociais

Entra Linda, como se tentasse andar em corda bamba

APURAÇÃO

Quesito alegoria…dez, nota dez!

LINDA

(eufórica)

Evolução, meu povo, evolução!

Passista enforcada segue o desfile tonta da cabeça, mas sambando no salto.

Ala guerreiras sem nome na história. Esqueceram o nome ou é uma crítica? Ala Movimentos sociais – Sem terra, sem teto, sem nome, sem vergonha. Quanto riso, oh, quanta alegria…

Ala vaga-lume – a luz na escuridão.

Passistas desfilam com lanternas piscantes. Efeito especial chinês dá certo. Oba!

O samba-enredo sobe com toda força

Cena 4

Salsa American Way

Ala paz – Gandhi

APURAÇÃO

Quesito samba-enredo…Dez, nota dez!

POEIRA

Canta, meu povo! Canta pra Deus e o mundo! Aí, comunidade!

Poeira canta o samba sem a substituição da palavra

CARLÃO

Marujo!

MARUJO

Que foi, Carlão?

CARLÃO

Manda esse filho da puta cantar o samba direito!

MARUJO

Ele tá cantando!

CARLÃO

Do jeito combinado! Ele sabe! Fala pra ele, do jeito combinado! Tão filmando! Tá vindo a câmera, tá vindo!

Carlão empurra Marujo até Poeira

APURAÇÃO

Quesito samba-enredo…nove e meio, nota nove e meio!

CARLÃO e MARUJO

(para Poeira)

Canta certo essa porra de samba!

POEIRA

(para Marujo)

Virou a casaca?

MARUJO

Canta!

POEIRA

Caipira!

Poeira, ainda cantando, dá um empurrão em Marujo, que vai pro lado de Carlão

APURAÇÃO

Quesito samba-enredo…dez, nota dez!

MARUJO

Ele não escuta!

CARLÃO

Dá um jeito! Agora!

Carlão empurra Marujo novamente até Poeira.

MARUJO

A coisa tá feia! Você vai ter que ceder!

POEIRA

Coisa feia é o tamanho da covardia!

Marujo tenta, ele mesmo, cantar o samba. Os dois brigam pelo microfone, começam uma briga de verdade.

JANE

(enquanto a briga acontece)

E não é só nas alas que a Nossa Escola inventa moda! A bateria também segue coreografada, carregando para a voz o grito de guerra que precede a paz! Porque não há calmaria sem tempestade, maremoto ou ventania!

Canta, Poeira!

Entra Zita, cantando South American Way

JANE

Ah, não! Não tô acreditando! Marujo!

MARUJO

Tô ocupado!

JANE

Eu não pedi, Marujo, eu mandei!

Marujo corre em direção a Zita.

APURAÇÃO

Quesito harmonia…Oito, nota oito!

ZITA

Vem, pierrô, dança…Que nem o Bando da Lua, girando em volta de mim!

MARUJO

Tá eu danço, mas pelo amor de deus, canta o samba, que a escola vai perder ponto!

CARLÃO

Marujo! O Poeira! Olha o samba, Marujo! Seu inútil!

(para Poeira)

A câmera! Tá vindo, tá vindo! Canta pra câmera!

ZITA

(para Marujo)

Então me beija enquanto eu canto, e eu finjo que tudo faz parte da evolução…

Marujo a pega nos braços e os dois, girando, beijam-se apaixonados. Poeira olha os dois e pára de cantar.

CARLÃO

Chegou a TV! Canta, Poeira!

APURAÇÃO

Quesito harmonia…Nove, nota nove!

Marujo sai carregando Zita

CARLÃO

Cantaaaaaaaaaa!

JANE

Performance na hora do samba? E por que não? Inovamos sim, porque já era hora de desfile deixar de ser uma marcha militar!

Continua a evolução, sobe o samba-enredo. Poeira volta a cantar.

APURAÇÃO

Quesito samba-enredo…oito e meio, nota oito e meio!

CARLÃO

Isso é traição, Poeira! Traição!

JANE

Revolucionamos! Foi a representação do amor pela avenida, a passarela do nosso espetáculo!

APURAÇÃO

Quesito samba-enredo…Dez, nota dez…

VOZ

Carlão! Telefone!

CARLÃO

Eu não agüento mais!

Poeira fala para a platéia

POEIRA

É, minha nêga…

Eu só fingi que não te vi, porque não podia parar de puxar a turma na garganta. Eu só fingi que não vi paetê virando cinza, brilho virando fumaça. Eu fingi que não vi dinheiro da escola virando casa de praia. Eu fingi que não vi, lá na quadra, arma fincada na calça doida pra achar culpado, porque fingi que o futuro era outro. A gente tem disso, tem três olhos virados pro mundo, porque dois é pouco pra ver como cantar seu momento. Por isso, até de olho fechado vê o que não quer.

Eu fingi que não vi a escola cheia de pluma grande e boca pequena. Eu gritava no samba pra disfarçar quem não cantava, e não era problema de qualidade não! Nem de dinheiro! Dinheiro não é problema, quem é que não gosta? É só papel… Né não, Carlão?

APURAÇÃO

Quesito samba-enredo…Dez, nota dez…

POEIRA

Xá pra lá, meu querido, quem não quer ver por um dia sua face gloriosa estampada na festa? O povo tem o direito, não tem?

Dura pouco, mas abre um lugar dentro da gente feito de imagem que não é imagem de um sonho só. E a bateria…ah, o tamborim gritando! Isso vira veneno no sangue que muda o tempo de dentro da gente, vicia, perturba, de um jeito que se parar, nêgo enfarta.

APURAÇÃO

Quesito fantasia…10, nota 10…

POEIRA

Não, não vou passar na quadra.

E nem me chamem pro ano que vem, que não quero saber!

Ai de nós se não houvesse o esquecimento.

Ai do coração dos outros

Cena 5

Sapatinho de Cristal

Ala lunar – a esperança

Ala Girassol – o raiar da evolução

 

Volta o samba-enredo

APURAÇÃO

Quesito harmonia…sete e setenta e cinco, nota sete e setenta e cinco!

VOZ

Marujo! Olha o buraco! Tapa o buraco!

MARUJO

Eu corri. Ninguém pode dizer que eu não corri.

APURAÇÃO

Quesito harmonia…sete e setenta e cinco, nota sete e setenta e cinco!

MARUJO

Empurrei carro, animei gente, arrumei alegoria, corri, eu só corria…Não sabia se o coração ia agüentar o corpo no batente sem minha mão no batuque pra ditar nota certa. Mas na hora não tem lugar pra frescura, não pode ver só seu lado. É isso, harmonia.

APURAÇÃO

Sete e setenta e cinco.

MARUJO

Faltou foi esforço? Tentei correr mais, mas um bolor me enjoou e faltou ar no pulmão. Desculpa, Carlão. (mudando de tom) Carlão!

JANE

Sumiu

MARUJO

O carro! Não passa no portão!

JANE

Vocês não mediram?

MARUJO

Medi na semana passada, mas hoje ele têm asas!

JANE

Eu disse que tinha que contar as asas!

MARUJO

Eu vou é cortar essa merda!

JANE

Você quer acabar com a minha vida?

MARUJO

Você me inventa esses porta-viados cheio de firula e a culpa é minha?

JANE

Quebra o portão!

MARUJO

Tá louca?

JANE

Quebra! Vai atrasar, corre!

MARUJO

Precisa de ajuda! Cadê o Carlão?

JANE

Sumiu, eu já disse!

MARUJO

Como assim, sumiu? Que absurdo é esse?

JANE

E você acha que eu tenho bola de cristal? Sumiu, escafedeu, agora o problema é nosso e tem que resolver agora!

Linda aparece, mas em outro plano. Dialoga com a cena como se fosse outro tempo

LINDA

Tem outro jeito de fazer as coisas, o seu não é o único certo!

JANE

(para Marujo)

Faz o que eu estou mandando!

LINDA

(reproduzindo um sermão do passado)

Você não sabe o que é a tradição, menina! Abaixa essa asa que tem gente que nasceu antes! Respeita os mais velhos, respeita teu passado. Nem me vem com história, que tua malandragem eu conheço. Minha palavra não faz curva, e você não está aqui pra fazer o que quer. Reto é reto.

MARUJO

(como se orientasse a manobra)

Olha a asa, cuidado com a asa!

LINDA

Como a gente anda pra frente desse jeito? Só se andar de costas…hahahahahahahaha!

MARUJO

Anda logo, não dá pra esperar!

JANE

Isso aí é frágil, eu tô falando, qualquer coisinha arrebenta! Cuidado!

LINDA

Abaixa esse facho e te coloca no teu lugar!

JANE

Passou! Passou!

LINDA

Meu lugar eu estou procurando. Mas não é o que você pensa.

Samba enredo

JANE

Agora abre as asas e voa, meu pássaro, livre, nessa avenida!

LINDA

Voa pra onde, a evolução do sorriso?

APURAÇÃO

Quesito mestre-sala e porta-bandeira…

LINDA

Pra onde?..

Linda tenta girar, mas não consegue. Sente a perna. Assume, novamente, uma postura militar, reta.

VOZ

Carlão! Telefone! Cadê o Carlão?

Ala das Revoluções

Ala força – Luther King e Che Guevara e Zumbi

LINDA

(como se estivesse em um pelotão de exército)

Ala das Revoluções. Revolução francesa – liberdade, igualdade, fraternidade. Revolução Russa – vermelho, vermelho, vermelho. Ala coreografada: um muro que cai.

APURAÇÃO

Quesito evolução…oito, nota oito!

LINDA

Ala da resistência – Martin Luther King, Zumbi, Che Guevara. Camisetas voam pelas arquibancadas. Pessoas voam pelas arquibancadas para pegar camisetas. Confusão nas arquibancadas. Câmeras de TV nas arquibancadas…o sangue, o soro, a rosa vermelha, rosas podadas, um broto escondido da era das facas…

Entra a ala, com Carlão e Jane em destaque. Mistura de revolucionários com Cinderelas.

Segue a cena de Carlão e Jane, como se fosse parte do desfile, num carro alegórico.

MARUJO

Carlão! Cadê o Carlão? Deu problema! Telefone, Carlão! É do patrocínio!

APURAÇÃO

Quesito fantasia…10, nota 10…

POEIRA

Cadê o dinheiro do pão, Carlão?

Cadê o embrulho do pão?

Virou passagem sem volta

Passagem pra contra mão

É…não é mole não…

Motor de carro alegórico

virou embarque de avião…

CARLÃO

É preciso saber de onde. Porque em pé de homem não serve sapatinho de cristal. Então pede empréstimo, vende a mãe, depois pede desculpa, engole a vergonha e só tem como sobra a fita laminada dum dia de glória.

Tem felicidade de graça? Alegria sem boleto, alguma paz sem pagar imposto? Hahahaha…Talvez ainda sobre o amor. Talvez…

Quem sabe em algum lugar não se paga conta, nem pena.

Eu não agüento mais! Não agüento…

Quem foi o maldito que inventou essa palavra, liberdade? 

Responsabilidade. Responsabilidade sim, a gente vê todo dia na vida, embrulhado em pão de padaria.

Porque quando você tem uma escola inteira na suas costas, uma escola inteira, falar de liberdade é como zombar de um homem.

JANE

Eu pedi, se eu não tivesse pedido…

Eu pedi!

Eu devia era ter mandado!

Ou te entregado, enxotado, desmoralizado, matado!

CARLÃO

(para Jane)

Quer saber o que eu sinto? É como se uma dentadura caísse da boca de algum infeliz que ri à toa e ficasse batendo no chão.

Só dente escancarado, sem alma nem coração, rindo da sua cara porque não sabe o que é conta no fim do mês, família, mulher, casa própria, casa que ainda nem é própria.

(para a platéia)

Não…Tirem essa dentadura da minha frente, que fica aí, cariada de riso, porque a responsabilidade sim, faz do homem um homem.

E tem jeito? Tem jeito de não levar na carcaça esse peso? Não fui eu que cagou esse monte de regra, mas se não seguir…Ah, não me fodo sozinho. É um mar de gente que se vai junto.

É fácil, mané? Né não! Queria era ter nascido mulher. Mas sapato de cristal não me serve no pé. Então, vai jogar pedra na mãe.

Carlão olha para Jane, despedindo-se. Sai do desfile e da peça.

Jane, aos poucos, ocupa seu lugar no palco.

JANE

Vai Carlão! Cruza esse mar bebendo, se empapuçando, se embebedando de ilusão.

Beija a mão, a boca, a rosa babada e murcha do império real! Vai! Mas não volta mais!

E quando você,

Tonto de devaneio

Perceber, lá embaixo, no fundo do poço,

o canto do sonho verdadeiro

aquele, que você disse ter sonhado,

e quiser voltar com sede de abraço,

Não vai achar nem mala pronta

Nem casa, nem porra nenhuma!

Não existe mais corte, isso é uma ordem!

Não haverá mais reinado

Porque nunca houve realeza na nossa história.

O lugar que um dia foi teu, agora eu ocupo, em honra de nossa Escola.

Da nossa Escola!

E se um dia,

mesmo que sentada num chão de terra,

eu ainda me sentir rainha,

que cortem a minha cabeça!

APURAÇÃO

Quesito fantasia…10, nota 10…

POEIRA

A comunidade, no barracão, ouvindo a apuração. Aquele resto de luxo que uns ainda arrastaram, o esforço de tanta gente virando décimos de pontuação. Olhar no telão.

(pergunta para Linda)

Descemos? Subimos?

LINDA

(fala já como uma Pitonisa)

Olho grudado na tela. Tela vestida de número. Suor misturado com lágrima. Gosto salgado no rosto. Rosto procura o passado. Passado não volta no tempo. Tempo? Compasso de espera.

VOZ

Carlão!

JANE

Vai procurar no aeroporto!

VOZ

Telefone!

JANE

Manda esses caras à merda! (pausa) Não, pára, espera! Fala pra ligar amanhã…pra falar com Jane. Jane dos Santos, entendeu?

Marujo!

MARUJO

Já vou!

Cena 6

Bye Bye Brasil

Zita passa com uma mala e pára, como se esperasse uma embarcação. Marujo cruza com ela e também pára.

MARUJO

Já vai?

Zita continua parada, olhando longe

ZITA

Disseram que eu fosse porta-voz no estrangeiro, visitar o Monte Santo, e ver de lá o mundo inteiro…

MARUJO

Você não vai ter coragem.

ZITA

Cala essa boca! Cala essa cara de cachorro de feira, esse espírito derrotista! Quer saber? Vou embora é sozinha, sem gringo nem nada, eu cansei de esperar! Vocês não merecem esse presente aqui (aponta para si), não merecem!  Vocês não me merecem! Vocês não se merecem!

APURAÇÃO

Quesito fantasia…Dez, nota dez…

Zita sobe em um pedestal, como uma diva.

MARUJO

Então vai, Carmenzita, para onde reluz o ouro…Para as terras do Monte Santo, fábrica de sementes estéreis…E sonhos de areia.

APURAÇÃO

Quesito harmonia…sete, nota seis!

Entra Poeira

POEIRA

Quer ir? Então vai! Vão todos vocês, Zita, Carlão, não me importa! A terra há de virar do avesso e daí ninguém vai poder vacilar na dúvida, não vai ter lugar pra meio termo, meia palavra, meia vida. É tudo ou nada, viver ou morrer. Bambeou, perdeu o barco. E eu vou é cuidar do meu!

Poeira vai embora.

ZITA

(para alguém distante)

Eu sabia que você não ia esquecer de mim! Eu sabia!

MARUJO

Eu te perdi praquela cafetina que arranca as estrelas da terra, rouba as estrelas do céu e enterra na sua bandeira! E transforma damas em estátuas  de pedra, presas no meio do mar…

ZITA

(cantando)

Yi, yi, yi, yi, yi, I like you very much… Yi, yi, yi, yi, yi, I like you very much…

Zita vai embora

APURAÇÃO

Quesito evolução…dez, nota dez!

Entra Linda, ensaiando, com dificuldades

Marujo canta seu “Samba de Ressaca”

MARUJO

Na ginga da roda,

Sorriso

Na dor da facada,

Preciso

No tombo, calçada,

Levanto

Pressão levantada,

Abaixo

No poço doído,

A mola

Na voz que não sai,

Mas chora

No tom dissonante

Eu canto

Trovão delirante,

Espanto

A vida que é tanta

Que cansa

No som do tambor

Eu grito

No surdo no peito

Eu calo

Na dor que sufoca

Eu fico

Até que a onda

Estoura

Não posso mudar

Destino?

Se posso sonhar

Distante

Se posso virar

Menino

Futuro é feito

Água

Desbota a cor

Da mágoa

Preciso acordar

Sozinho

E ver que meu peito

É ninho

Preciso cuidar

Do ovo

Preciso brotar

De novo

Preciso seguir

Com gente

Capenga,

Pra cima,

Em frente.

LINDA

A lua visita a alvorada. Não deixa a festa, só recolhe seu rosto, em retiro. Apaga a última estrela mas permanece dizendo, com sua face de prata, que agora a sua fase muda, se galopada no tempo, se amparada no giro.

Linda tenta girar, e cai.

 

Cena 7

O Trono Renasce

Volta o samba-enredo

MARUJO

(para Linda)

Como assim?

LINDA

Tá muito pesado! Muito pesado!

MARUJO

Lindalva, tá na sua hora!

LINDA

Eu preciso de um tempo.

Entra Jane

JANE

Mas nem que todos os santos baixassem na terra com essa ordem! Você vai ter que entrar e é agora!

Jane pega o chapéu de Linda e tenta colocá-lo em sua cabeça

LINDA

Eu não consigo respirar!

JANE

Pára com essa frescura! Você está viva, viva, percebe? Então faz alguma coisa com isso, pela honra desse estandarte! Agora escolhe, de uma vez por todas: você quer pisar nessa avenida ou desistir de vez?

LINDA

Você acha que eu não quero entrar?

JANE

Querer? Querer não é nada! Sabe o que eu queria mesmo, Linda? Você não sabe, não pode saber. Mas eu vou te falar mesmo assim. Eu só queria, por um momento, ter de volta o meu prazer. Ter de volta o motivo, a razão disso tudo, sentir a alma dentro de mim de novo. Era isso o que eu queria. Mas como o tempo não pára pros nossos caprichos, mesmo sem nada disso a gente tem que fazer a escola brilhar. E eu vou conseguir! Nem que eu tenha que respirar por você, se for preciso!

LINDA

Não precisa não. Eu faço o sacrifício.

JANE

Então vai! Vai pelo deus ou pelo diabo, mas faz o que você tem que fazer!

Sai Jane.

Cena 8

Ala das Carcaças

Ala alegria – Carmem Miranda

Linda coloca em si uma máscara de Carmem Miranda

LINDA

Salve o brilho! Salve a alegria! Salve o prazer!

Entram todos também com máscaras de Carmem Miranda, segurando bananas e espelhos.

Começam um grande coro, como uma ala coreografada.

Em alguns momentos, uma e outra Carmem destaca-se do coro, gritando frases para a platéia.

CARMEM (ZITA)

(cantando)

Yi, yi, yi, yi, yi, I like you very much… Yi, yi, yi, yi, yi, I like you very much…

APURAÇÃO

Quesito alegria…Dez, nota dez!

Carmem 1

Para ser 100% feliz? Um bom prato de sopa e liberdade pra cantar

CORO

(cantando)

Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim
Ai meu bem não faz assim comigo não
Você tem, você tem que me dar seu coração…

Carmem 2

O tico tico tá comendo o meu fubá

CORO

Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim
Ai meu bem não faz assim comigo não
Você tem, você tem que me dar seu coração…

Carmem 3

Seu rosto virou moldes de manequins

CORO

Meu amor não posso esquecer
Se dá alegria faz também sofrer
A minha vida foi sempre assim
Só chorando as mágoas que não têm fim…

Carmem 1

Meu coração faz chica chica boom chic!

Carmem 2

Carmem, volte para os bugres!

Carmem 3
Adeus batucada querida!

CORO

Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim
Ai meu bem não faz assim comigo não
Você tem, você tem que me dar seu coração…

Carmem 3

Eu sou do camarão ensopadinho com xuxu!

Carmem 2

Seu rosto virou moldes de boneca e eletrochoque.

Linda pára e fica olhando a cena, desnorteada.

A ala gira em torno dela, numa espécie de devaneio vertiginoso

CORO

Essa história de gostar de alguém
Já é mania que as pessoas têm…

Carmem 3

Ela se entregara, feliz, às tropas de ocupação!

CORO

(cantando)

Se me ajudasse Nosso Senhor
Eu não pensaria mais no amor…

Carmem 2

Cai, cai, cai ,cai

Eu não vou te levantar

Cai, cai, cai, cai

Quem mandou escorregar?

Carmem 1 e 3
That’s all you’ve got to say
Chica chica boom chica chica boom chica chica boom

CORO

(cantando)

Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim
Ai meu bem não faz assim comigo não
Você tem, você tem que me dar seu coração…

Carmem 2

O tic tic tic tac do meu coração
Marca o compasso do meu grande amor
Na alegria bate muito forte
E na tristeza bate fraco por que sente dor

O coro, agora, gira ao redor de Linda

CORO
Você tem, você tem que me dar seu coração…

Você tem,você tem que me dar seu coração…

Você tem, você tem que me dar seu coração…

Você tem,você tem que me dar seu coração…

Você tem, você tem que me dar seu coração…

Linda retira sua máscara de Carmem Miranda, horrorizada.

Cena 9

Linda Roda

Ala terra santa – as sementes do Novo Mundo

Os atores vão, um a um, desconstruindo as Carmens Mirandas da cena anterior

CARLÃO (ator)

A lua segue cheia no céu, mas o sol já nasce para iluminar a avenida! Vem chegando o casal de mestre-sala e porta-bandeira. A carnavalesca Jane dos Santos inovou mais uma vez nos adereços, que cintilam na cabeça dos dois durante o bailado. Lindalva sorri, um sorriso lindo, pra iluminar a arquibancada! Olhá lá, vem chegando perto do Júri…

Linda começa a girar

CARLÃO (ator)

Tão lindo, Linda…O giro da porta-estandarte… O casal começa a apresentação… Uma evolução completamente nova, minha gente! Senhoras e senhores…Tem algo estranho acontecendo…As alegorias estão caindo!

Silêncio.

JANE (atriz)

Pisou na avenida, tal quem flutuava. Bandeira, estranha, voava e pesava, soprou vento forte, ninguém esperava. Trovejou, não choveu, e ninguém respirava.

MARUJO (ator)

A chuva, ligeira, se via adiante. A porta-estandarte sorri radiante. O giro da moça congela o instante. O tempo foi outro, parado, constante.

ZITA (atriz)

Naquele momento, o sorriso rasgava. Sorrir era pouco, ela gargalhava. Não sei se por medo, não sei se por nada, se por alegria ou se desatinada.

POEIRA (ator)

O ar levou chuva, levou a TV. A lente chegava mais perto pra ver. Durou três segundos, um tempo qualquer. Atrás dessas lentes, ventava a mulher.

JANE (atriz)

Num corpo de moça, olhar de criança.

E ela, tomada, seguia na dança.

Num giro, sem volta, sem que, nem para que,

tirava de si todo o peso do dia,

girava no tom que suporta a alegria,

voava ao tempo que não existia,

se despe, se livra, se lava, se guia.

MARUJO (ator)

Olhando pra lente,

soltou o cabelo,

vestiu-se de vento, vestiu corpo inteiro,

mostrou cicatriz com o choro do rosto,

tirou cada enfeite, olhou para o moço.

CARLÃO (ator)

O moço, traído, seguiu sua imagem.

Foi close no rosto, já sem maquiagem.

Do choro, distante, um algo foi dito.

Ninguém sabe o que,

ninguém teve ouvido.

(pausa)

A escola segue a evolução, senhoras e senhores…A escola segue a evolução…

Todos saem

Linda, sem os adereços, em êxtase, só com a bandeira na mão, fica girando, girando, girando, girando…

LINDA

(sussurando)

Me fala, me explica?

Que mundo que é esse, vivido por gente?

Se tem que acordar ou sonhar diferente?

Fala, não fala, que a lua não é clara, faz sombra, é difusa.

Difusa, confusa…

Vai com Deus, mãe, com as deusas, os santos, as nossas senhoras!

Estampa na história um novo legado

O gozo da terra sem cor de pecado

Deixa uma mão que eu possa apertar,

imagem que fica, que brilha, recorda…

Meu pavilhão…olha a luz e acorda!

A atriz deixa, aos poucos, de ser a personagem

fala calmamente, para a platéia

LINDA (atriz)

Que o sol já vem vindo, vem vindo, vem vindo,

mostrar o caminho, se longe, se perto, se certo, se cetro, se reto, se curva.

Mãe, sopre no ouvido com voz de quem canta.

Que a rosa dos ventos faz sombra na espuma.

Não é reto! Não curva!

Se apruma,

levanta.

Silêncio

FIM

Samba-enredo da escola

Desperta, minha Nação

Que já nasceu a nova era

Que esse cativeiro

Dentro e fora,

É passageiro

E não cabe mais na Terra

Da escravidão fomos à luta

Vida sem fronteiras é a nossa fantasia

Pela construção do Novo Mundo

Cantando a paz, a força e a alegria

Tentou a França, ê ô

Tentou a Rússia, ê a

Caiu o muro,

Mas algo há de chegar

Vem lá de dentro, ê ô

E vem chegando, ê a

Vem meu país

É hora de acordar!

Salve os santos

Salve as deusas

Salve Che Guevara, Luther King

Zumbi, Gandhi

Salve as guerreiras sem nome na História

E os movimentos que ficaram na memória

Mas é tempo de samba, ê ô

Vou rodar em ciranda, ê a

Vem meu país,

Tomar o seu lugar

Desde Carmem Miranda, ê ô

South America é bamba, ê a

Vien, América mia

És tiempo de bailar!

Ainda estamos em tempo de guerra

Mas brilha a lua cheia que anuncia uma espera

Um girassol de cores

Vem raiando a evolução

É só querer, ter consciência e gratidão

Na Terra Santa, surgiu

Semente nova, ê a

A nossa gente,

Já é hora de regar

Mexe lá dentro, o sagrado

E põe pra fora, ê a

Ela resiste

tá na hora de cuidar

 

 

 

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