A Última Sessão de Música

Ah Bituca amado!

O que foi esse show, meu Deus, o que foi isso? Por um instante lembrei do que é ser humana, lembrei que a realidade pode ser doce, que em meio a tantos gases lacrimogêneos os sonhos não envelhecem, tecem, tecem, tecem…

Que show foi esse, minha gente, que me fez mergulhar na nascente, abrir memórias da infância, que me encheu de esperança, que me fez ter vontade de abraçar todo mundo, que me fez respirar de pulmão cheio e lembrar de tanto ar que ainda cabe, que me relembrou que somos feitos de sonhos eternos…

Ah Milton! Obrigada por dar vida às Min(h)as Gerais que guardam mistérios cheios de graça, por mostrar que nas esquinas podemos encontrar muito mais que desvario infértil, que o amor é muito, muito, muito mais potente que qualquer outra influência nefasta que tente se achegar…

Que show foi esse meus Deus? Minha Deusa, meus Deuses, todos os Anjos cantantes… essa gente toda junta celebrando o AMOR, o amor, o amor, a música, a poesia, a amizade, a força da canção quando sai do lado esquerdo do peito … ai minha terra!!! O poder dessas montanhas, desse sorriso sincero, do afeto que cura que cura tudo e rio rio rio rio rio….

Que coragem essa despedida! É preciso ter força e muita raça pra aguentar viver esse momento! Celebrar nosso tempo com sua dor e alegria, sobretudo com tanta tanta tanta poesia.

Obrigada Milton. É preciso ter sonho sempre, e você nunca me deixará esquecer disso. Talvez porque eu também escuto essa canção das montanhas, aquela mesma que faz a gente ter essa estranha, (talvez mineira) mania

de ter fé na vida.

(Imagens do show “A Última Sessão de Música” , realizado no dia 13/11/22, no Mineirão, em BH. Esse foi o último show da carreira de Milton Nascimento, mas sua música segue para sempre)

Altares, pódiuns e pirâmides

“Em um altar, ao lado de uma cesta de flores, há sempre uma cesta de pedras”.
Essa frase foi soprada no meu ouvido, e desde então, penso sobre ela.

Não é uma crítica à sincera devoção, que sim, existe. É sobre um determinado tipo de “devotos” – às vezes chamados de seguidores – que na verdade são perseguidores. Do poder, do trono, e também de qualquer pessoa ou proposta que atrapalhe seu projeto individualista.

Pois bem, são esses “devotos” que levam flores a um altar onde padece seu manequim, a quem chamam de líder. O boneco mitificado, também iludido, pensa ser ele o objeto de adoração, e crê que o poder que experimenta é seu.

Não, é emprestado.

Não percebe que sua própria face foi transformada em mortalha, onde são projetados os rostos de cada um de seus adoradores no momento em que se curvam. Mas, quando o boneco passa a se mover por si mesmo e deixa de prestar o serviço de ser uma tela de projeção, os mesmos adoradores voltam seu olhar para a cesta de pedras.

E atacam.

O manequim, então, se percebe sozinho, e não entende como seus milhões de seguidores desapareceram. É porque nunca existiram. Adoram, na verdade, o poder que poderiam ganhar através dele, que não era nada além de mais um degrau para a ascensão.
Na pirâmide social.

A pirâmide é uma forma interessante. São quatro faces que, quando elevadas, encontram-se em um ponto comum, que as unifica. Representa, portanto, a visão integral, a confluência na diversidade. Vista assim, em dinâmica, é uma forma-síntese da evolução da consciência, que integra as várias faces que nos divide internamente. Formas similares, como as espirais, já foram utilizadas por diferentes culturas como símbolo da transformação interna, que acontece devido ao movimento em direção ao alto.

Um movimento.

A pirâmide, portanto, como uma imagem de percurso unificador, é um símbolo de integração interna e externa. Porém, se sua forma torna-se estática, como uma arquibancada de classes e poderes onde são fixados seres da mesma espécie e de igual grandeza, uma doença se instala. Porque, assim como acontece no nosso corpo, algo que deveria fluir fica estagnado.

Nessa pausa forçada, ao invés do movimento ser um caminhar coletivo para a unidade, torna-se uma luta incessável pela ocupação do topo. Que deveria ser de todas e todos, no seu momento coletivo de caminhar rumo ao ápice.

São essas duas visões que experimentamos hoje. Grupos que acreditam na comunhão, em caminhar juntos, em integrarmos as singularidades, e aqueles que precisam garantir que nada se mova, porque creem, ilusoriamente, que estão sentados em uma camada mais arejada da dita pirâmide, e temem perder seu suposto privilégio. Sofrem miseravelmente o terror dessa perda, condicionam seu presente a uma luta inglória pela manutenção do que acreditam ser estático. Passam a vida tentando segurar o fluxo da vida, tornando-se doentes, posto que a vida é perpétuo movimento.

A cura consiste em liberar esse fluxo e confiar que os “altos e baixos” não são determinados por castas sociais, mas pelo quanto que conseguimos caminhar em direção ao nosso centro.

Cada vez mais leves e livres, e em comum união.

4.7

4.7. Hoje.

Entre sensações ambíguas, mergulhando nas rachaduras, pedi de presente um abraço do sol.

Estava frio, e ele me acolheu.

Mirando as cicatrizes no cimento, revelou-se o além do solo desgastado.
Havia pontos radiantes.
Constelações que brilhavam em pleno dia, encarnadas.

Talvez as estrelas que me sussurraram fossem ilusão de ótica, desvio de olhos cansados.

Talvez (não).

Não fosse o desgaste do tempo, escurecendo o cinza, não haveria o brilho revelado pelo contraste.

Não há concreto que resista quando o espelho da alma te convida a sonhar.

(escrito no dia do meu aniversário, mas postado só hoje)

4.7. Hoje.

Entre sensações ambíguas, mergulhando nas rachaduras, pedi de presente um abraço do sol.

Estava frio, e ele me acolheu.

Mirando as cicatrizes no cimento, revelou-se o além do solo desgastado.
Havia pontos radiantes.
Constelações que brilhavam em pleno dia, encarnadas.

Talvez as estrelas que me sussurraram fossem ilusão de ótica, desvio de olhos cansados.

Talvez (não).

Não fosse o desgaste do tempo, escurecendo o cinza, não haveria o brilho revelado pelo contraste.

Não há concreto que resista quando o espelho da alma te convida a sonhar.

só hoje.

Foco no abacaxi, que ele tá quase estragando, coloca a roupa da máquina, tira a batata do forno, concentra também no job que já tá atrasado e aproveita e foca no corpo que anda meio parado que que custa andar um pouco e também fazer yoga cadê horário ainda bem que a minha mãe recém operada tá bem e tenho uma irmã e um irmão e toda família ajudando foca agora no sorteio dos boletos pendura uns mas não esquece de tirar do prego sem sonhar com livro no prelo porque agora não da tempo nem pra sentar e nem pra acento pontuação é privilégio reticências nem se fala mas ponto final tem que colocar minha filha entrega logo esse job pra pegar os próximos graças a Deus que tem trabalho não posso reclamar de nada mas reclamo sim dessa familicia e sua corja de seguidores passando motosserra em tudo cagando por onde passam uberizando geral e deixando corpos empilhados e um país inteiro pra gente arrumar lembra do abacaxi senão vai desperdiçar bora virar esse jogo esse ano tem eleição chega desse martírio não fica parada que nem fruta na fruteira esperando alguém tomar uma providência senão você vira banana tipo exportação dada quase de graça com propina em paraíso.

Ou tipo essa aí, que perdeu o ponto.

.

(Vai lá. Descasca logo esse abacaxi.)

Porém, já nascemos livres.

A gata (ainda filhote) observa a rua.

A dona da gata observa, apreensiva, a gata observando seu desejo da rua.

A mulher observa a dona da gata achando que é dona do seu castelo, ou que pode proteger a gata de ser uma gata.

A gata nunca saiu, porque o gato que antes vivia na casa foi atropelado.

A gata veio depois do susto. Luto.

(Mas não se importa com nada disso)

A gata observa a rua, tramando estratégias.

A dona da gata, com medo da negligência, também tece defesas.

A mulher que observa sabe da inutilidade daquilo tudo, mas compreende o impulso da gata e o terror da sua dona.

A gata quer ser gata.

A dona da gata quer ser responsável.

(não quer sofrer outra vez.)

A mulher que observa as duas quer ser livre.

Então lembra-se da menina, que se identificava com a gata dos Saltimbancos, seduzida a trocar filé mignon e almofada pela aventura da vida.

A mulher que observa a criança fala à dona da gata que é necessário confiar. Que as rupturas da vida são vida. Que a negligência não é deixar ir, é estar em ausência do aqui-agora aterrorizada pela culpa, que a toma em rapto.

A dona da gata percebe a prisão onde se encarcerou, por medo do fluxo.

A gata criança suspira, feliz, com o fim do seu cativeiro.

A mulher que observa agora age. E cuida. De todas.

o Caribe é aqui

 

Esse móvel tem história, uma longa história.
Mas estava tudo escondido sob uma pele desgastada, desbotada, desfiada.
 
Nunca era prioridade essa reforma. Acumulávamos contatos de tapeceiros, pendurados no futuro. Na fila dos boletos, ficava sempre no pé da lista.
 
Enquanto não chegava o dia, eu fazia de tudo pra disfarçar: colocava mantinha por cima (que teimava em deixar à mostra justo a parte rasgada do tecido), e dizia pra mim mesma que aquilo não era tão importante.
 
“É só um sofá, é só um sofá, é só um sofá…”
 
(Mas não colava. Aquele gigante detonado no meio da sala havia se tornando um ícone.)
 
Daí chegou a quarentena. O olhar pra dentro. A urgência da cura, do que pede cuidado.
 
Então ele ousou, o homem-inventor.
Olhou para o corpo rasgado e viu um novo futuro. Pelas suas mãos. Pegou as ferramentas disponíveis, vestiu-se de vontade, e começou.
Um pequeno ajudante, o menino-entusiasmo, somou-se à tripulação.
 
Viraram o casco de cabeça pra baixo, descamaram o tecido doente, e aquela barca revelou sua potencial estrutura. O que estava abaixo era firme. A madeira era forte. Ele iria sobreviver.
 
No lugar do braço, entrou a madeira nova, que estava parada na oficina há anos, apenas esperando sua vez de brilhar.
Aos poucos, a nova forma foi se desenhando: almofadas soltas, madeira aparente. Lixada, envernizada, posta à luz.
Não era uma reforma, era uma revolução.
 
A enorme barca trocou de pele. Ficou com a nossa cara.
O azul profundo do oceano entrou na nossa casa, lavando a memória dos tempos difíceis.
 
Não, não é só um sofá. Nunca foi, nunca será, só.
Esse é nosso navio, e com ele desbravaremos novos mares.
 
(agradecemos aos familiares que nos apoiaram nessa viagem e à Dona Catarina que costurou as almofadas… <3)

o primeiro passo pra fora do ninho

Todos os dias temos a “hora da história”. Um momento de recolhimento antes de dormir. Equalizar a escolha do conto não é fácil, são idades muito diferentes. Mas, com um pouco de ginástica, funciona.
 
Até que chegou o dia.
Quando me dei conta, estava falando sozinha.
Pedro lia um livro, Gabriel outro, e o Chico os imitava.
 
Fiquei puta. Dei chilique. “De que adianta contar uma história se ninguém quer escutar?”
 
Discursei sobre a preciosidade do meu tempo, escorrido inutilmente naqueles minutos inférteis. Bla bla bla.
 
Eles se sentiram culpados.
Eu me senti uma déspota.
(eu fui, de fato, uma)
Quando a rainha de copas abandonou meu corpo, entendi meu ataque de frustração: como ousam não depender mais desse rito, nosso ninho enredado pelas tantas histórias contadas?
 
Como ousam crescer em plena quarentena?
 
O que eu faço com esse espaço aberto, escancarado, na minha vida?
 
 
Ontem li um conto para o Chico, enquanto os dois liam seus próprios interesses.
Todos juntos, no mesmo lugar: nossa biblioteca-cafofo-de-embalar-sonhos.
 
“A gente gosta de ficar perto de você, mãe.”
 
Claro, filho. Claro…
Pode ficar…
Para sempre.

canção do poente

Te vejo

Muito

Além

Do crepúsculo dos dias,

Da demanda (abençoada) das crias,

Da insônia (árida) em noites frias,

Do caos e o extremo oposto, apatia.

 

Te vejo além

Na valsinha que dançamos um dia

No passo quente que suporta a alegria

Nas mãos que se contentam, apenas

Na escuta do teu peito, impulso

No toque que transcende,

 

Transmuta,

 

Transporta,

 

Pro tempo que nos lembre

Sussurre

As curas

Pro som que nos ampare

E leve,

Seguros

Pra casa que nos cabe.

 

Te sinto

(na pele, nos poros)

Além do sol poente

(de um mundo doente)

Além dos sete outonos, invernos, tumultos

Além do próprio medo.

(um mundo-segredo)

 

Te vejo

No espaço do ensejo,

Com tom de quem te ama

(E cuida, e espera)

E canta todo dia

(em quase silêncio)

canção de primavera.