rosa andaluz

Autora: Claudia Pucci

Criação: Luciana Canton, Flavia Estevan e Claudia Pucci

Casa das Rosas, projeto Nove Cenas Curtas, da Cia. Dos Dramaturgos, julho de 2005

 

Sinopse:

Uma mulher espera pelo noivo que, há anos,  abandonou-a no altar. Peça curta inspirada na obra de Federico Garcia Lorca

 

SE PREFERIR ABRIR O TEXTO EM PDF, CLIQUE AQUI

 

ROSA ANDALUZ

Sala vazia com duas mulheres , uma janela e uma porta

Rosita canta baixinho, com o ouvido no chão. Do canto, começa a falar

Na janela, a Noiva Viúva espera

ROSITA

Aí eu me lembro do som de dez anos de idade

Foi quando eu aprendi a galopar no cavalo. O som das patas do cavalo em galope no campo. A onda que o meu corpo fazia quando o cavalo corria, o vento batendo no rosto. Eu engolia aquele vento todo, porque naquela época não tinha medo de engolir o ar e ficar cheia de alguma coisa parecida com vida. Ouvia, lá de longe, a minha mãe gritando: menina, você vai cair e bater a cabeça! Eu ria por dentro, porque pra cair, precisava da gravidade, e ali tudo levava pra cima.

Até que ele veio, prometeu e foi, com nova promessa de mais uma vez, voltar.

Depois não me lembro de mais nada, a não ser do carteiro que me trazia sempre aquele mantra telegrafado: Já volto. Já volto. Já volto. Já não podia ser apresentada a nenhum ser estranho, mesmo que fosse uma bactéria.

E lá do alto, vendo a terra de cima de uma cobertura de coqueiros, esperava e torcia para que do céu viessem piratas. Eu nunca quis cavalheiros. Eu não queria casar e ser feliz para sempre, eu queria era poder conhecer uma bactéria e poder espirrar a vontade. Adorava ficar com o nariz cheio de catarro, só pra não sentir o cheiro do sabonete. Aí eu queria ver os piratas, todos imundos, chegando lá do céu. Eu gritava: Vem! As pontes levadiças estão abaixadas, o fosso está seco!

Venham, caravelas! Venham colonizadores! Eu quero a civilização! A colonização bruta do perfume francês! Vem! Vem! Vem!!!!!!!!!!!

A Viúva abaixa a cabeça, cansada.

VIÚVA

Ele não vem

ROSITA

Claro que vem

A Viúva fecha a janela

VIÚVA

 Nem ele, nem pirata, nem ninguém.

A Víúva vai andando de costas, ainda olhando para a janela, em direção a Rosita

ROSITA

Ele prometeu…

VIÚVA

Promessa não é mais dívida

ROSITA

Ele não volta.

A Viúva abaixa-se, ficando com as costas coladas com Rosita

VIÚVA

Ele morreu?

A viúva, num ato desesperado, enrola Rosita com a lã. Faz um movimento como se fosse um abraço pelas costas. A cena vai ficando claustrofóbica

ROSITA

Quanto tempo? Quanto tempo? Quanto tempo desde que eu bati a porta na cara do carteiro e jurei que nunca mais ia abrir?

Rosita, nervosa, tira a lã de seu corpo. Ficam lado a lado.  Pela primeira vez, elas se olham, como se fosse um espelho

Levantam-se. Olham-se como se estivessem se vendo em diferentes épocas – a Víúva vendo-se naquela situação muitos anos depois, Rosita vendo-se no dia em que se enclausurou

Aproximam-se. A Viúva coloca a lã em nos cabelos de Rosita, que tira o véu da Viúva, também como num espelho

As duas começam a dançar. Rosita vai sentindo um incômodo, e “descola” a Viúva de si, que cai no chão, gemendo.

Rosita desvencilha-se da lã. Depois vai até a Viúva

ROSITA

O que você tem? O que você tem aí?

A Viúva contorce-se, sentindo dor. Rosita coloca a mão no ventre da Viúva

ROSITA

Eu já sei o que você tem. Você engoliu a lua! Se você engoliu a lua, precisa sair daqui!

Rosita segura os braços da Viúva, falando em seu ouvido

ROSITA

Você precisa sair daqui!Você precisa sair daqui!Você precisa sair daqui!

A viúva levanta-se num pulo e vai para o lado, ajoelhada.

VIÚVA

E se ele voltar?

A Viúva levanta-se lentamente, puxando os fios de lã como se procurasse uma saída. Assume uma forma que é um misto de aranha e dançarina de flamenco.

Rosita  assusta-se com a imagem que vê.

As duas começam uma movimentação como se fosse uma dança de flamenco. Batem os pés no chão numa coreografia, e aos poucos vão se dirigindo para a porta

ROSITA

Tá vendo essas pessoas? São carcaças de insetos mortos! Eu quero sair! (levanta-se) Eu não quero morrer aqui! Eu não quero virar uma carcaça! Eu preciso sair daqui!

Eu não quero morrer aqui! Não vou virar uma carcaça!

Rosita vai para a porta. Abre-a.

A viúva vai até ela, segurando-a com uma espécie de abraço pelas costas.

Silêncio.

ROSITA

Tem muito tempo que eu tenho medo do outro lado que eu nunca vi, de ser alguém que eu tenho saudade de ser sem nunca ter sido. Já sentiu isso, saudade de ser? (pausa) Agora eu estou olhando lá fora e tudo parece tão brilhante…Como se morassem três anjos em cada um desses lugares…

Rosita faz menção de que vai sair

A viúva levanta-se com a lã como um buquê. Vira-se de frente para a platéia, de costas para Rosita

VIÚVA

Sabe o que me lembra isso? As flores do dia do meu casamento…Eu estava assim, parada, esperando… O sol do final da tarde cegando meu rosto de alegria…E eu pensava que era o sol que não me deixava ver, ou eram muitas as flores que podiam esconder…Porque eu nunca vi onde ele estava…

ROSITA

Ele não vem…Nunca veio.

Pausa

A Viúva começa a cantar baixinho. Rosita solta-se dela, deixando-a ir.

A Viúva vai cantando, carregando o novelo em direção à platéia, até que resta apenas um fio no dedo de Rosita, que a vê caminhando até que solta o fio. Depois, Rosita vira-se para a porta e sai, lentamente. Enquanto isso, a Viúva deita-se em uma posição semelhante à de Rosita no início da cena, e continua cantando.

FIM

Uma resposta para “rosa andaluz”

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s