Noutro dia, chegou meu uniforme, e fui surpreendida por uma alegria de criança que ganha um brinquedo esperado. A indumentária, afinal, é importante na forma. Vesti a roupa com orgulho e o desajeito da primeira vez.
Gongo. O sapato ficou apertado. Meu pé é largo e alto, incompatível com sapatilhas chinesas. Dei de brava e segui em frente, até perceber que seria uma idiotice sentir uma dor pontual que me prejudicava o movimento. Fiz o resto da aula descalça, meio contrariada, meio incompleta.
Ao final de tudo, no vestiário, fui surpreendida por um presente. A Aline, que já treina há cinco anos, “irmã mais velha”, na linguagem do Núcleo 7 Esferas do Tao, me deu uma sapatilha antiga, que ela usava antes de comprar a mais recente.
– Aqui a gente tem esse hábito de passar as coisas adiante – ela disse, provavelmente respondendo à minha cara de espanto.
Aceitando o presente, passei a treinar com ela, o que me gerou um sentimento interessante: pisar com o pé alheio. Meus pés experimentaram a memória de outras pegadas, de caminhos já percorridos. Aquilo, não sei por que, me encheu de ternura. Um agradecimento pelos percursos e formas há muito aperfeiçoadas, pela ancestralidade daquelas práticas que cruzaram mares e séculos até chegar a mim, em 2010, nesse tempo.
Eu, que sou filha mais velha, pude sentir a delícia de ter irmãos mais velhos. Pude experimentar a herança de receber roupas alheias, já carregadas de algum sentido, e passadas adiante com carinho. Agradeço a paciência e a generosidade dos meus “irmãos de treino”, por passarem um conhecimento milenar adiante, hoje, aqui, em pele contemporânea.
E eu, que sempre conduzi a brincadeira, eu, sempre a primeira, pude experimentar a calma de ser quem vem depois, de quem aprende e joga junto. Em conjunto. Em irmandade.