Uma das coisas mais deliciosas que já li foi o diário de montagem de Romeu e Julieta do Grupo Galpão (que, aliás, vai remontar!), feito pelo dramaturgista Cacá Brandão. Além das informações, o texto tem o sabor dos ensaios, compartilha agonias, descobertas. Movida pela inspiração, resolvi tentar o mesmo, num breve relato de nossos breves encontros.
Nosso primeiro dia (que foi à noite) já começa contagiado pelo amor de todos pela peça, servida acompanhada de jantar e vinho, e sorrimos ao som de promessas. Garbel (Marco Antônio Garbellini) já vem de um longo caminho de pesquisa na teatralidade da poesia, tendo trilhado Drummond, Manoel de Barros, Guimarães e outros gigantes. Daniela (Evelise) e Cris (Cristiano Meirelles) recém-chegam de um logo processo no Grupo Bartolomeu, onde vivenciaram o amor de Orfeu e Eurídice. Cris é ator, músico e dançarino, Dani é atriz e recentemente aventura-se no universo das contações de histórias. Todos nós, há um tempo e cada um a seu modo, pesquisadores do transe, do trânsito entre o ordinário e o sagrado. Em suma, não começamos do zero, mas percebemos que zerar é necessário.
Apresentei a eles o recorte da pesquisa, as perguntas: Como preencher a palavra? Por que a poesia? Onde nos levam as palavras?
Dividi com eles os textos de referência apresentados pela Tatiana (Motta Lima). Falamos de música, de delírios, de escolas de samba, do momento pulsante e denso em que estamos, do sol e das tempestades.
Do texto e das traduções – tema essencial e ainda não resolvido.
Marcamos o primeiro ensaio para a semana seguinte. Seguindo orientação, vamos brincar com a musicalidade do texto. Se as chaves para a compreensão dos personagens estão na própria palavra (como dizem diversos teóricos), no pulso das falas, na batida do coração, então vamos a esse lugar fazer perguntas.
Entre o apimentado do curry e o doce das tâmaras feito por Garbel, com sabor de reencontro de (já) velhos amigos, com a delícia de saber que vamos mergulhar em algo querido, começamos. Sim, é o sabor certo. Porque, apesar de ser uma tragédia, ao final, junto às lágrimas do desencontro, não fica também um doce de possibilidade?