– O Dr Alfredo não vem mais aqui?
A gente nunca sabe que frase vai abrir a comporta.
De frente para a barraca da feira, aquela pergunta parou o tempo. Depois descongelou e eu respondi.
– Ele faleceu. Já vai fazer um ano.
(nossa, já vai fazer um ano em março…)
Sempre uma situação difícil: quem pergunta nunca espera uma resposta dessas. Mas ele apontou para o filho, que o ajudava na barraca.
– Uma vez ele tratou do meu menino. Ele ficou bom mesmo.
Era isso que meu pai fazia. Deixava as pessoas boas mesmo.
Agradeci àquele homem por lhe trazer a memória, e por me fazer perceber que o nó na garganta que venho sentindo não é só sobre o desgoverno, não é só sobre a enxurrada de lama que cobriu o país em 2018 que se fez matéria viva em 2019 (em mais um desastre), não é só sobre ameaças de morte atiradas sobre militâncias que lutam pelos direitos óbvios, ou pela extorsão de terras indígenas, ou por…
Não é só.
(Como se fosse pouco.)
É ausência. É ainda luto. E foi tanta coisa pra enlutar no último ano que não tive muito espaço para sentir que esse era um grande vazio.
Mas um vazio preenchido.
Porque a presença dele, no meio daquelas barracas, se fez forte. Quase ouvi sua risada, e um comentário seu com o sotaque mineiro que eu também carregava, mas agora nem tanto.
Feita a feira, pai, sentei numa mesinha de plástico para esperar a mãe comer o pastel inteiro, aquele de sempre que encerra as compras, aquele mesmo que vocês dividiam. Essa manhã estava fresca, um oásis nesses dias quentes, e enquanto lembrava de você sem resistir à comoção, a ventania era forte, arrepiava tudo. Desviei a cadeira para evitar o golpe nas costas, coisa que você sempre recomendava. Senti o vento de frente, batendo no peito.
Eu acho que te dei um abraço.
Simplesmente lindo
CurtirCurtir