pequenos ajustes

– Por que meu nome é Béatrice, e não Beatriz?

– Pra combinar com Perrier, é óbvio.

– Acho idiota. Você nem sabe falar francês.

– E daí? Você fala em português!

– Então por que esse nome assotacado?

– Porque eu quero.

– Nosso diálogo vai ser sempre assim?

– Espero que não.

– Tu é chata mesmo, hein?! Marrenta!

– Shhhh!

– chiante!

– Ei! não vale falar em trocadilho!

a propósito…

Béatrice não bebe água Perrier. acha coxinha.

aliás, em suas palavras: “90% do que se classifica como sofisticação é coxinhagem cara, e só por isso, exclusiva.”

e nasce Béatrice Perrier

de uma garrafinha Perrier sem rótulo, levada numa mochila velha. sem pretensão.

só estava ali, desfilando na mala, por dois motivos:

1) era de vidro – portanto, lavável

2) era verde e bonita – sim, e daí?

ouvi de pessoas: “Ui! Perrier?”

virou !: “Ui! Perrier!”

daí veio Béatrice: pra me salvar da chatice.

nasceu da garrafa sem rótulo, tal gênia-mariposa da lâmpida.

dependência

greve dos transportadores de combustíveis

até então ignorava a categoria (me admirei)

postos sem combustível

até então nem pensava em ficar sem (me admirei)

achei um posto ainda vivo (aliviei)

com fila de quase uma hora (admirei)

40 minutos de espera (resignei)

ao pagar, esqueci a carteira (espantei)

descubro que tinha um cheque (aliviei)

o posto não aceitava cheque (…)

o gerente aceitou o meu cheque (aliviei)

pude então buscar meu filho na escola

que é quase no meio do mato

onde eu não chegaria sem carro, sem gasolina ou cartão.

percebi a dependência (assustei)

mas lá, voando no mato,

vi uma borboleta azul.

movida a vento e farfalhar

sem tanque ou máquina de crédito

de verdade, então, respirei.

de carro, sem cartão, de tanque cheio, voltei.

oi?

como assim? Há um minuto era 09:00, e agora é 09:46?

quanto tempo tem um minuto mesmo?

borboleta batendo cabeça

borboleta batia cabeça no vidro da janela

tive pena dela

“pena tem quem se sente superior”, pensei. problema dela. se de lagarta já voou, se vira!

borboleta batia cabeça insistentemente no vidro da janela.

será que a consciência de algumas espécies podem estar a serviço de outras? pensei, pensando também se ajudava ou não.

será que há uma função cósmica no ato de bater a cabeça no vidro?

será que devo eu intervir, tendo consciência que a pobre lagarta de asas pode passar o resto do dia tentando sair?

borboleta batia cabeça.

foi dando aflição de tanta inconsciência.

borboleta batia cabeça.

foda-se. empurrei a borboleta pra fora do vidro, no vão da janela.

borboleta bateu asas.

e eu continuei no chão, pensando como ela, que rastejava, hoje consegue voar.