Ontem dei um pulo no DCC. Como já comentei, um puta espaço bacana pra nova dramaturgia. Na definição da Fernanda D’Umbra, a debatedora da noite, a roda de samba da dramaturgia. Sem frescura, sem nada, uma hora pra improvisar um texto com tema dado na hora. É um espírito festivo, dionisíaco, delicioso.
Tema? O Inesperado. Taí o resultado
Dramaturgia de Improviso 30.09 – autor Claudia Pucci
DCC – O Inesperado
RUBRICA
Gilda, mulher poderosa,linda,sensual,maravilhosa mesmo, risca um céu estrelado com os dedos. Olha fixamente para o desenho criado. Está satisfeita.
GILDA
(em completo êxtase)
Finalmente:um auto-retrato.
RUBRICA
Ela desenha numa grande tela a imagem vista no céu: um auto-retrato. Pergunta-se, em segredo, para quem poderia enviar a carta,que autoridade mundial teria autoridade mundial para batizar uma nova constelação. O nome? Gilda.
GILDA
(ainda em completo êxtase)
Nenhum lugar seria mais apropriado. Os mapas estrelares são imortais. Sabe-se lá, com essas tecnologias de hoje, o que ainda será armazenado nos próximos quinhentos anos. Mil anos. Mil e novecentos anos. Alguém duvida que existiram as catedrais? (para alguém do público) Você. Você duvida que existiram catedrais? Já foi em Notre Dame? Nem eu, mas você sabe que existe, não é? E ainda existirá. Sabe por que? Porque é grande, imponente, maravilhosa, inesquecível. (faz uma pausa dramática) Agora me diz: Se uma catedral que é uma coisa de pedra fica milênios existindo, imagina nós, que somos gente, matéria animada. A gente deveria ter esse direito também!
RUBRICA
A atriz faz um ar maroto de mistério, como se tivesse a posse da idéia mais genial de todos os tempos.
GILDA
Então eu decidi: Se todos me consideram uma grande estrela, por que tenho que ser imortalizada somente em filmes? Ainda mais agora, que é tudo digital? Virtual? Tem algum cineasta aqui? Vocês agora nem tema dignidade de filmar em película! Não sobra nada! Imagina se acaba a energia elétrica? Quem vai saber de mim? Tudo o que eu fiz,a minha vida toda vai virar sabe o que?
RUBRICA
Gilda pega um tubinho de bolinhas de sabão e começa a soprar bolinhas na platéia. As bolinhas formam bolas perfeitas e absolutamente redondas, dignas de admiração plena. Atingem seu ápice em forma e múltiplas cores e rapidamente desmaterializam-se, como é próprio das bolinhas de sabão. Gilda observa a cena entristecida,como se presenciasse a maior tragédia jamais encenada pela história humana.
GILDA
Então eu decidi: Serei imortalizada como uma verdadeira estrela deve ser: um auto-retrato no céu. Um traçado perfeito ligando pontos brilhantes, compondo a perfeição de um rosto inesquecível: A partir de hoje…
RUBRICA
Ela faz uma longa pausa dramática
GILDA
Serei a constelação das constelações! Gilda.
RUBRICA
Gilda volta seu olhar novamente para o céu,como forma de se certificar que o traçado ainda estava lá. Ela traça novamente o auto-retrato com os dedos, mas sente que algo falta. Alguns pontos desapareceram da perfeição do seu rosto. Indignada, ela se pergunta se alguma das estrelas cometeu a indignidade de cair, atrapalhando a fluidez do traço. Busca novamente o desenho, agora passando da indignação a um leve desespero. Teria sido ela traída pelos deuses? Seria ela mesma uma estrela cadente?
GILDA
Cala essa boca!
RUBRICA
Em total descontrole, ela…
GILDA
Ninguém está descontrolada aqui!
RUBRICA
em total negação do descontrole, ela…
GILDA
Por favor, cumpra apenas o seu papel!
RUBRICA
Eu sou a narradora soberana da cena!
GILDA
Você é uma reles rubrica, não um grilo falante!
RUBRICA
Já me enchi de rubricar adjetivos maravilhosos ao seu respeito.
GILDA
Então vá reclamar no sindicato das rubricas!
RUBRICA
E por um acaso eu disse alguma mentira?
GILDA
Claro que sim! Você me chamou de descontrolada!
RUBRICA
Eu só narrei seu estado psíquico!
GILDA
Eu estava dramaticamente alterada! Com o coração em frangalhos. Descontrolada nunca! Isso é coisa de gente louca.
RUBRICA
Eu só descrevi seu estado psíquico.
GILDA
Só faltava agora eu ficar te dando explicações! Cai fora, você tá demitida!
RUBRICA
Nunca, em mais de cem anos de cinema, alguém reclamou do meu trabalho!
GILDA
Tudo tem a primeira vez.
RUBRICA
Marlene Dietrich, Lauren Bacal, até a chatinha da Vivian Leigh… Todas concordavam com a minha visão cênica!
GILDA
Ela fala pausadamente, como só uma grande mulher o faria: adeus!
RUBRICA
Você acha que se vira sozinha, não é?
GILDA
Gilda, recuperando sua dignidade, prefere o silêncio como resposta.
RUBRICA
A rubrica sai, totalmente digna. Não considera o acontecido como demissão, apenas mais um caso de negação entre tantos que já conheceu. Ela, que era antiga,já conhecia de cor aquele texto, e já sabia que voltaria. Porque ainda que momentaneamente sua presença fosse descartada, já tinha vivido demais com os homens e mulheres desse mundo para saber de sua necessidade. Tamanha era sua solidão que criavam Olimpos imaginários, eleitos entre eles próprios, só para ter a perene sensação de ser tocados e aceitos pelos deuses.
GILDA
Ela, num ato súbito de generosidade, ainda lhe dirige mais três palavras: Até nunca mais!
RUBRICA
Até breve.
FIM
Hello thanks for this a little interesting post. But I still do not get the first part though!
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why not?
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Hey this post is nice and interesting. I’ll use it for my essay :). Can you say to me some related articles I could use too?
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