dos cantos

Minha mãe disse que quando… Antes de eu nascer, durante sete meses, eu chorava na barriga dela todos os dias, às 3 horas da tarde. Mas minha mãe não contou isso para mim. Só depois que eu fiquei sabendo. E eu nascia numa sexta-feira, às 3 horas da tarde.

Até que um dia, eu comecei a ouvir um canto. Você ouve?

Eu ouvia sempre, sempre, chamando. A água era pouca, tinha que ir buscar no rio, todo dia, ainda criança. Punha o pote na cabeça e ia, doida pra ouvir o barulho da água batendo aqui em cima na volta. Nem ouvia mais meu pai gritando quando saía, porque já estava escutando era a água…

Aperta o passo, minina, que a chuva ainda tá longe. Aperta o passo, minina. E pega a trilha mais curta, sem essa de pará pra ver bicho ou frô seca no pasto. Se apresse, ô minina, e vem com pão e a cachaça, que o tempo não passa sem essa reza pra se esquecê do que se é.

Mas eu parava, parava que só, só pra ver passarinho. E pegava uma pedra e atirava era no galho, não por falta de mira certa, mas por querer ver o bicho voando. E ele voava, crente que fugia da mira, e eu mirava c´os olhos tão longe que nessa hora lembrava: Tô indo, pai! E voava também, c´oa água na cabeça e a cachaça na mão pesando doído, que sabia que dali a uns gole ele virava o capeta, e depois chorava fundo até dormir pro dia seguinte.

Depois de muito tempo eu entendi a sede que meu pai tinha. E aquela água bateu tanto no barro da cabeça que virou um canto comprido, e eu voei por cima do mato seco com promessa de ver o mar.

Ver o mar… Um monte de água salgada que nem pra beber serve… O que é que move a gente? A mágica? A ilusão? O sonho? Ou a mentira?

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