Havia uma brecha, sei lá quando ou onde. Talvez eu já tivesse dormido assim, ou sonhado com alguma coisa estranha. Nada que eu tenha conseguido pensar, ou aprofundar, ou ouvir de mim. Acordei como todos os dias, talvez mais preocupada que o habitual pelo (já quase habitual) excesso de coisas, talvez estivesse pendendo pra fora do eixo, sem guarda. Se nessas horas entra palavra estranha, que soa brusca demais pro cedo das horas, evidencia a fissura. Não sei. Mas se até vento batendo nas costas de surpresa pode dar em resfriado, torcicolo ou coisa pior, assim é a palavra dura dita de relance, ainda acordando, ainda sem estar inteira.
Assim cheguei na aula, mesmo sem saber, ou sabendo sem dar importância às coisas pequenas de sempre. O corpo acolhe tudo, a mente disfarça, finge que não. Não é nada, sempre nada, até que um dia acorda espantada com coisa antiga que queria não ver. Assim cheguei, meio quebrada no peito, por coisa pouca, pequena, cotidiana. Cansaço de coisas somadas, de excessos pendentes, de cuidados não ditos.
No meio do aquecimento, a coisa cresce. Socando o ar, em exercício, lá fui eu para o meu deserto árido das impotências. Um deserto. Tudo bem que havia o cansaço físico e a cabeça já estava atrapalhada, mas não é nessa justa hora que se abrem as portas para os invisíveis? E ainda há quem pense que viagem no espaço/tempo é coisa de máquinas. Lá fui eu, sei lá pra onde, de corpo quebrado, equilíbrio cruzado, socando inimigo impalpável e só querendo me jogar no chão, curvar o corpo em meia-lua e semente. Precisando de abraço alheio, com vergonha daquele lugar, e como é possível sentir vergonha de um desejo de amor? De acolhida? Que dureza é essa que não permite o amparo?
Até que chegou num ponto impossível de coordenar, não havia mais braços, pernas, quadris, era uma massa incontrolável querendo desaguar. O peito, coração vazio. Aí percebi que do quadril vem o movimento, e a força vem do coração. Não é frase solta, emotiva, feita, é fato real, concreto. Coração é o centro do centro, e não à toa, fica no meio de tudo, e é de onde a gente começa a existir. Um ponto que pulsa, em big bang, daí viemos. De lá somos. Sem lá, tudo se desmorona.