“ensinar” ou a arte do pulso

Quando eu comecei a dar aulas, imaginava que o mais importante era reunir um repertório (o mais completo possível) de conhecimento, organizar tudo de forma “didática” e “transmitir” esse conteúdo aos alunos.

Depois descobri que essa é só a forma. Necessária, porque delimita, mas vazia, se parar por aí. Como um copo sem nada.

Forjei muitas taças. Sem elas, o líquido não se sustentaria. Mas atualmente tenho me dedicado a destilar sutilezas, forjar novos beberes. E perceber que esse ofício é sacerdócio: estar a serviço de algo maior, que a partir do meu próprio conhecimento, resvala. Para isso, é necessário o encontro. E preciso o outro. A troca só acontece entre dois pontos que pulsam, assim se desenham as constelações.

Agradeço aos meus mestres e mestras por terem despertado em mim essa vocação de troca. Recentemente descobri que o prazer de “dar aulas” é o mesmo do beijo: conhecer sabores. E tal qual uma pitonisa, deixar passar por mim o conhecimento acumulado, movido por um desejo de saber de ambas as partes. Mas há que se criar o ritual, as múltiplas intenções afinadas com esse saber. Senão é tudo só informação, e ela se mofa nos arquivos das palavras instantâneas.

Relembrando minhas mestras e mestres, reconheço uma virtude: a disposição ao dar. Ao sentir. Ao colocar seu melhor, síntese de anos acumulados, a serviço das novas gerações. Ao entusiasmo de estar ali, naquele momento vivo, e nada ser mais importante.

Neles me inspirei, e senti o pulso de passar a bola pra frente.

Agradeço a meus “alunos” por serem pontos de novas conexões, por onde esse conhecimento pode seguir fluindo, vivo, sem se empoçar nas curvas. Em cafés, bares ou salas de aula, levantamos nossas taças pedindo pelo néctar. Entendi o papel: reger o ritual, evocar da memória e do próprio tempo o Saber, e pedir para que algo maior aconteça e nos agracie. Hoje entendi: sem essa entrega, não há rito. Sem ele, o intangível não se manifesta. Só há uma boca que fala e olhos dispersos, ouvidos lá fora, dedos em notebooks, em outras conexões.

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