não me venha falar de amor
que o tempo urge
navalhadas, tiroteios, gente vil, desabrigados,
não me venha falar de amor em tempos de dor urgente.
gente caindo das
casas gente sem casa
meninos sem pais
país com governo S.A., delinquente,
dinheiro na mão de quem é indiferente,
que toca fogo,
o puteiro,
que esquece que é gente.
não me gaste palavras com isso. faça o favor de fazer protesto.
não faça de conta, faça diferença!
(esqueça os slogans)
mas não me venha falar de amor se o direito entorta,
a direita endurece,
pesa a mão e chama a polícia,
se as chamas invadem casas, invadem corpos, incendeiam vistas.
não vista uma pele leviana. que o leão ruge.
que o cerco aperta
que o tempo fecha
que a fala some
não me venha falar de amor se o tema é guerra.
não me venha com papo manso, com som macio de voz cantada.
não.
se vier falar, sinta o urgente. desconfie, denuncie, sentencie.
(esqueça os imperativos)
sinta o enxofre
mercúrio medindo febre
pau a pau, enfrentamento, montecchio, capuleto, em pleno incêndio.
não me venha falar de amor diante das cinzas.
(esqueça as sentenças)
só sinta
o luto do fracasso.
dispa a pele das palavras, libere o ar viciado
vire-se pro sol,
feche os olhos,
escute.
sinta sair dos cantos um pingo novo,
segredo,
embale em água, e chore, e
amoleça e
lave, lave, lave, lave, limpe, e lembre
que na sacada do sonho há cheiro de matéria nova, chamando, chamando, chamando,
ouça, desarme, sinta o frescor da urgência:
tire a pele da palavra amada, entorne o caldo, beba a poção.
morra.
rebrote.
então ame.