Daqui a alguns dias,
vão se somar dois anos.
Dois anos desde sua partida para as estrelas.
Fiz desse dia um marco. Desde que você se foi, levou com você uma trava, um espinho. Abriu um caminho vermelho entre minhas pernas.
Doeu.
Tentei fingir que era comum, tentei me agarrar às estatísticas, tentei voltar à rotina.
Tentei me fazer de forte, mas do nada, de uma hora pra outra, desfalecia.
derretia.
Fiquei com vergonha do fracasso. Fiquei com medo de ser punida por algo que nem sabia. Segurei sozinha sua mão, porque não deixei ninguém mais segurar, mesmo sabendo que não poderia nunca te segurar aqui. Porque a escolha foi sua.
Você chegou no tempo das folhas amarelas, e partiu como partem logo as suaves flores de inverno.
Mas ao romper o cordão, você rompeu muito mais.
Desligou, em mim, uma corda que me prendia. Desenrolou um outro cordão do meu pescoço. Desencadeou um longo processo de liberdade, de reconexão, de reencontro com o próprio amor.
Você, alma imortal, me reaproximou do Caminho
me trouxe de volta as estrelas
a ponte.
Você, filho querido
me trouxe de frente a humildade
me mostrou o tamanho da minha arrogância
me mostrou reverência e fé
mostrou que as marés que trazem a vida e a morte são idênticas,
que nascer e morrer é uma coisa só,
e coisa que não se controla: só se navega.
Seu luto foi minha liberdade
não pela sua partida
mas porque a partir dela
fui ao meu encontro
ao meu próprio parir
E nesses dias tão intensos
há quase dois anos de sua viagem,
e a poucos dias da chegada de seu irmão caçula,
você nos trouxe a família.
Percebi, entre dores no corpo e nervos pinçados,
entre dentes cerrados,
que eu ainda carregava nas ancas o seu pequeno peso
que nunca pude embalar.
E carregava sozinha.
Percebi que apartava você do restante de nossa família
percebi que ainda confundia sua trajetória de luz com meu próprio fracasso
e percebi o quanto temia
enquanto meu corpo tremia.
Então, querida alma,
soltei de vez o cordão
libertei sua memória da torre
e deixei que todos celebrassem sua existência
entre dores e alegrias, a própria essência da vida.
Aí, e só aí
no meu último suspiro,
respirei
você foi, eu fiquei,
e só então nos unimos.
E juntos,
seu pai, sua mãe
seus pequenos irmãos já em terra
e seu pequeno caçula entre mundos
contamos sua história
para que nunca ninguém te esqueça.
Seu pai, por te sentir menino,
te batizou Miguel
e eu, por ainda te sentir flor
te chamo também Sakura
Aqui, você é anjo de quartzo rosa,
no centro da nossa unidade
nas estrelas,
alma imortal
e parte (nunca apartada) de nossa vida.
Linda homenagem a um ser estrelar que liberta, desfaz nós e nos aproxima do Divino em nosso corações!Aguijeveté
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Que lindo Clau! Gratidão por partilhar tamanha beleza em palavras. Tamanha potência de vida. Tuas palavras tocaram fundo minha alma. Esse amor preencheu meu coração. Tua experiência regou, iluminou e nutriu minha FÉ. Namastê.
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