A gata (ainda filhote) observa a rua.
A dona da gata observa, apreensiva, a gata observando seu desejo da rua.
A mulher observa a dona da gata achando que é dona do seu castelo, ou que pode proteger a gata de ser uma gata.
A gata nunca saiu, porque o gato que antes vivia na casa foi atropelado.
A gata veio depois do susto. Luto.
(Mas não se importa com nada disso)
A gata observa a rua, tramando estratégias.
A dona da gata, com medo da negligência, também tece defesas.
A mulher que observa sabe da inutilidade daquilo tudo, mas compreende o impulso da gata e o terror da sua dona.
A gata quer ser gata.
A dona da gata quer ser responsável.
(não quer sofrer outra vez.)
A mulher que observa as duas quer ser livre.
Então lembra-se da menina, que se identificava com a gata dos Saltimbancos, seduzida a trocar filé mignon e almofada pela aventura da vida.
A mulher que observa a criança fala à dona da gata que é necessário confiar. Que as rupturas da vida são vida. Que a negligência não é deixar ir, é estar em ausência do aqui-agora aterrorizada pela culpa, que a toma em rapto.
A dona da gata percebe a prisão onde se encarcerou, por medo do fluxo.
A gata criança suspira, feliz, com o fim do seu cativeiro.
A mulher que observa agora age. E cuida. De todas.
