Há mais de vinte anos, me entreguei a esse ofício: o da escuta. Como escritora, roteirista, dramaturga, poeta, seja qual for a forma que a letra dança nos vácuos do silêncio, entendi: a gente escreve com os ouvidos. As mãos apenas tocam o teclado, como teclas de piano, compondo a canção.
Pelo menos comigo é assim.
Comecei a escrever em salas de ensaio, na caverna da dramaturga que testemunhava o rito, buscando sintetizar o caldeirão de impressões fomentado a cada laboratório teatral. Depois, quando me tornei uma autora solitária (ou em solitude) entrei nas cavernas de mim, e de lá comecei a ouvir as personagens que vivem dentro. Tantas. Algumas constrangidas, esquecidas, ocultas pelo medo da minha própria sombra. Outras relegadas a ela. Beldades pintadas de purpurina, outras tortas, todas ambíguas. Pouco a pouco, iam se mostrando. Decibel por decibel.
A seguir, a vida me trouxe o ofício de escrever as histórias de outras pessoas. Memórias, relatos, travessias de vida, reflexões. Por sintonia, a maioria mulheres. Muitas, de todas as idades e tipos, vivas ou mortas (sim, já conversei com elas), que me sopravam sua história (e sua estética, e sua voz) enriquecendo absurdamente minha compreensão da própria vida, e das muitas facetas que carregamos.
Finalmente, comecei meus encontros com as mulheres que escrevem, artistas como eu que, ainda que tenham “um teto todo seu”, ainda caminham na direção de uma autonomia artística.
(Nesse percurso, vou junto. Chamo isso de consultoria literária, embora o nome seja outro. É um partilhar da aventura.)
Na semana deste 8 de março, faço um imenso agradecimento a todas elas. Porque juntas partilhamos não apenas histórias, mas relatos inconfessáveis (ou nem tanto), dores invisibilizadas, sonhos aparentemente impossíveis, tudo isso tomando forma de histórias. Não vou expor aqui nomes ou rostos, por respeito à intimidade, mas apenas digo: vocês me tornam melhor. Através de vocês, de sua trajetória, de suas relações, conexões, essa aventura da vida torna-se mais suave, porque é na alteridade que eu colho a coragem para ir além do que me amedronta. Vocês, mulheres queridas, puxam em mim a coragem de ser, de me contar, de seguir mesmo sem rumo, confiando que sempre há uma estrutura, ainda que invisível, orientando nossa jornada.
Hoje eu presto homenagem, então, a essas tantas mulheres que caminham comigo. As tantas da minha ancestralidade, as que em mim vivem, equilibradas ou desequilibradas, e àquelas que caminham compartilhando comigo nesse espaço tempo, dividindo a lira, o amor pelas palavras e esse maravilhoso ofício de contar…
… E, com isso, fiar um destino.
(Ilustração de Eve Mae)
